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Mary Trump certa vez defendeu seu tio Donald – agora seu livro descreve o 'pesadelo' da família

'Too Much and Never Enough: How My Family Created the World's Most Dangerous Man' será publicado no próximo mês

Por Michael Kranish
Atualização:

Mary L. Trump se envolveu numa disputa por herança duas décadas atrás, mas seu tio Donald Trump e os irmãos dele contra-atacaram. Num processo judicial obscuro, eles a menosprezaram, alegando que ela vivia “sobretudo da renda dos Trump” e não tinha “emprego com fins lucrativos”.

Donald Trump abraça o irmão, Robert, após discursar em um comício eleitoral em 9 de novembro de 2016 Foto: Jabin Botsford/The Washington Post

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Na verdade, Mary Trump havia embarcado numa nova carreira. Durante esse período, ela estudou pacientes com esquizofrenia no Hospital Hillsdale, em Long Island, por pelo menos seis meses, sempre em contato com uma série de pessoas que eram delirantes, alucinatórias e suicidas.

Com o tempo, ela aprofundou seus estudos sobre o distúrbio, contribuiu para um livro sobre o tratamento da esquizofrenia, escreveu uma dissertação sobre stalkers e se tornou psicóloga clínica. Mas, desde que tomou parte no processo contra seu tio, em 2000, não falou em detalhes sobre aquilo que considera ser distúrbios de Donald Trump.

Agora seu silêncio pode estar chegando ao fim. Seu livro sobre o tio – Too Much and Never Enough: How My Family Created the World's Most Dangerous Man [em tradução livre: “Sempre demais e nunca o bastante: como minha família criou o homem mais perigoso do mundo”] – está previsto para ser publicado no mês que vem. O livro tem um potencial tão explosivo que a família Trump está tentando barrar a publicação, lançando mão de um contrato de confidencialidade que Mary Trump assinou como parte de um acordo sobre sua herança. O advogado de Mary Trump, Theodore Boutrous Jr., disse que o presidente está tentando “suprimir um livro que discutirá assuntos de extrema importância pública”.

A editora não revelou detalhes, e Mary Trump, 55 anos, recusou uma solicitação de entrevista. Mas é possível colher pistas sobre suas opiniões sombrias a respeito de seu tio em processos judiciais e entrevistas com ex-colegas e professores, artigos acadêmicos e uma série de tuites agora apagados, entre eles um que dizia que a eleição de seu tio fora “a pior noite da minha vida”.

Uma descrição do livro da editora Simon & Schuster sugere que a obra se baseia nos estudos da autora sobre famílias disfuncionais, uma vez que Mary usa sua formação clínica para dissecar “um pesadelo de traumas, relacionamentos destrutivos e uma trágica combinação de negligência e abuso”, incluindo “a estranha e dolorosa relação” entre seu falecido pai e Donald Trump.

A tragédia a que a descrição do livro alude provavelmente passa por um evento que devastou sua vida e a de seu tio: a morte de seu pai – Fred Jr., o irmão mais velho do presidente Trump – vítima de alcoolismo, quando ela tinha 16 anos de idade.

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No ano passado, amigos de seu pai disseram ao Washington Post que atribuíam parte da culpa pela morte de Fred à maneira como ele era tratado por Donald Trump, e o presidente disse, numa entrevista ao The Post também no ano passado, que se arrependia da forma como lidara com o irmão.

O presidente Trump disse ao site Axios que não achava que sua sobrinha tinha permissão para escrever o livro porque ela assinara o acordo de confidencialidade. A Casa Branca não quis comentar.

Robert, o irmão de Donald Trump que apresentou a petição para barrar a publicação do livro, disse no documento que, ao assinar um acordo financeiro não revelado em relação à disputa pela herança, Mary havia concordado em “não publicar nenhum relato” sobre seu relacionamento com Donald Trump ou seus irmãos. Em comunicado, Robert Trump disse que a decisão de Mary por “descaracterizar nosso relacionamento familiar depois de todos esses anos, para seu próprio ganho financeiro, é uma farsa e uma injustiça” para com seu falecido pai, Fred Jr., e seu avô, Fred Sr.. Ele disse ainda que a família sente que “as ações de Mary são uma verdadeira vergonha”.

Um tribunal de heranças do condado de Queens negou a petição na quinta-feira, alegando não ter jurisdição, mas o advogado de Robert Trump disse que a reenviaria à Suprema Corte do Estado de Nova York.

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Mary Trump deveria ter vivido uma vida dourada desde o berço, neta de Fred Sr. e Mary. Seu pai, Fred Jr., era o filho mais velho de Fred Trump Sr., e se esperava que ele sucedesse o pai como chefe dos negócios da família.

Nas colunas sociais, Mary era retratada como uma jovem elegante, mas vivia na residência palaciana dos avós no Queens, vendo seu pai brigar com Donald e Fred Sr., que administravam uma empresa de negócios imobiliários em Nova York.

Para grande consternação da família, Fred Jr. estava interessado em ser piloto da antiga companhia aérea TWA, não em alugar apartamentos na cidade. Depois de se formar na Universidade de Lehigh, em 1960, ele se casou com uma comissária de bordo chamada Linda Lee Clapp, em 1962. Então ele entrou para a escola de aviação e o casal teve dois filhos. Mary nasceu em 1965.

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Fred Jr. já bebia muito quando Mary nasceu, e seus problemas com álcool podem ter feito com que ele desistisse de seu sonho de ser piloto de avião, segundo três ex-funcionários da TWA que fizeram os cursos preparatórios com ele. Enquanto isso, Donald Trump e Fred Sr. continuavam a pressioná-lo para tomar parte nos negócios da família.

Quando Mary tinha 6 anos, sua mãe se divorciou de Fred Jr. Um amigo da família, David Miller, disse numa entrevista que, embora o vício de Fred Jr. tenha desempenhado um papel importante no divórcio, havia também muita pressão de Fred. Sr., que, segundo Miller, não gostava de Linda. “Ela nunca foi bem-vinda à família”, disse Miller. Linda não foi encontrada para comentar.

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No momento do divórcio, Fred Trump Sr. concordou em ajudar Linda e seus netos, pagando o aluguel e US $ 100 por semana para despesas, mais US $ 25 por semana para Mary e Fred III, de acordo com os registros do tribunal. Fred Sr. concordou em pagar para Mary estudar numa escola particular durante seus primeiros anos, bem como sua faculdade e despesas médicas.

Em 26 de setembro de 1981, Fred Trump Jr. morreu, aos 42 anos, vítima de um ataque cardíaco que a família afirmou ter origem no alcoolismo. Mary tinha 16 anos.

Mary depois entrou na Tufts University, onde estudou o romancista William Faulkner. Em um seminário com o professor de inglês Alan Lebowitz, Mary e seus colegas de turma analisaram a família Compson retratada em romances como O som e a fúria.

Os Compson tinham algumas semelhanças com sua própria família: assim como os Trump, os Compson migraram da Escócia para os Estados Unidos, e a família se despedaçou em relações disfuncionais. Na época, Donald Trump estava administrando seus cassinos em Atlantic City – os quais entraram em falência – e se preparando para se divorciar de sua primeira esposa, Ivana, e se casar com Marla Maples.

Em uma entrevista por telefone, Lebowitz disse que teve pouquíssimas alunas tão excepcionais quanto Mary Trump, que foi destaque no programa de iniciação da Tufts por ter ganho o prêmio de melhor estudante de inglês.

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“Ela era tão inteligente e capaz quanto qualquer outro aluno para quem lecionei em quarenta anos”, disse Lebowitz. “Ela participou de um seminário sobre William Faulkner comigo e escreveu dois trabalhos absolutamente impressionantes, longos, profundos e elegantes. Estávamos estudando um escritor muito complexo e interessante, e ela entrou na análise profundamente por ser uma pensadora profunda”.

Lebowitz, hoje aposentado, lembrou que, quando ela entrou na sala de aula, há mais de 30 anos, ele logo viu o peso que ela carregava.

“Eu sabia que o pai dela tinha uma história muito triste e que ela carregava o fardo dessa história”, disse ele.

Mary e seu irmão, Fred III, haviam recebido algum apoio financeiro da família Trump ao longo dos anos e esperavam ficar com uma parte significativa da herança do avô, Fred Sr., que morreu em 1999. Mary e seu irmão esperavam obter uma quantia próxima à que teria cabido a seu pai, se ele estivesse vivo, mas descobriram que iriam receber uma quantia menor. Então começou uma disputa pela herança, como mostram registros de tribunal.

Mary e Fred III alegaram que uma pessoa associada à família Trump operou inapropriadamente uma mudança no testamento de seu avô, que sofreu do mal de Alzheimer durante seus últimos anos de vida. Mary e seu irmão disseram que as mudanças no testamento foram “arranjadas mediante fraude e influência indevida”.

Donald disse à época que concordava com o corte da cobertura médica até então fornecida por uma das empresas da família ao filho de Fred III, William, que tinha paralisia cerebral. Donald Trump disse ao New York Daily News que, quando ele e seus irmãos foram processados por Fred III e Mary, ele pensou: “Por que nós temos que dar assistência médica para ele (William)?”.

Robert, irmão de Donald, disse em depoimento que a família havia feito a Mary doações anuais de US $ 20 mil, além da renda de empreendimentos familiares, estimando que Mary e Fred III recebiam “quase US $ 200 mil por ano, sem que nenhum dos dois precisasse levantar um dedo”.

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Mary ficou furiosa com a decisão da família de cortar a cobertura médica de seu sobrinho William. Ela disse ao Daily News na época: “Conhecendo a família, seria totalmente ingênuo dizer que não tem nada a ver com dinheiro”, disse Mary Trump. “Mas, para mim e para meu irmão, tem muito mais a ver com o reconhecimento de nosso pai. Ele existiu, viveu, era o filho mais velho. E William é neto de meu pai. Ele também faz parte da família, como qualquer outra pessoa. E precisa desesperadamente de cuidados especiais”.

No processo de 2000, Mary não respondeu diretamente à afirmação de seu tio Robert de que ela não tinha “emprego com fins lucrativos”. Mas foi nessa época que, depois de fazer um mestrado em inglês na Universidade de Columbia, ela foi voluntária no estudo de pacientes com esquizofrenia, sob a coordenação da assistente social Rachel Miller, no Zucker Hillside Hospital em Glen Oaks, Nova York.

Miller disse que Mary Trump mostrou grande interesse em entender o que levava as pessoas a transtornos psicológicos. “Ela enfrentou situações difíceis de ver. Muitos médicos e assistentes sociais não conseguiam, era muito assustador ver uma pessoa perdendo a cabeça”, disse Miller.

Mary Trump a acompanhava em visitas a pacientes com idades entre 16 e 25 anos e que estavam passando por seus primeiros episódios de esquizofrenia. “Ela dedicou a vida a fazer o que queria fazer, que era ser psicóloga”, disse Miller.

Tempos depois, quando Miller precisou de ajuda em um livro sobre o estudo, Diagnóstico: esquizofrenia, ela disse que Mary trabalhou duro para ajudá-la a pesquisar e escrever o manual, que se tornou referência no campo de estudos e entre as famílias de pessoas diagnosticadas com a doença.

Mary Trump continuou seus estudos na Universidade Adelphi, onde obteve um mestrado em psicologia em 2001, um mestrado em psicologia clínica em 2003 e um doutorado em psicologia clínica em 2010, disse uma autoridade da instituição.

Em sua dissertação de 205 páginas, “Uma avaliação caracterológica das vítimas de stalkers”, ela examinou se havia certas características de personalidade que deixavam algumas pessoas “mais vulneráveis a serem vítimas de perseguição por um parceiro íntimo”.

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Alguns anos depois, Mary fundou uma empresa chamada Trump Coaching Group, que fornecia serviços fitness e de bem-estar em Long Island.

Uma versão arquivada e agora excluída do site da empresa diz que a Trump Coaching Group se concentrava em cultivar relacionamentos. E que o interesse de Mary surgiu “de suas próprias lutas como atleta que sofria de asma, experiência que lhe deu uma verdadeira noção de como o bem-estar físico é vital para o bem-estar psicológico e emocional”.

Um dos coaches listados como membro da equipe disse que a empresa não foi muito além da criação do site. Paige Crosby, que disse ter participado junto com Mary Trump de um programa de treinamento de um ano para se tornarem coach de vida, lembrou-se de ouvi-la falar sobre seus “sentimentos feridos” por causa do “relacionamento amargo” com Donald.

Quando Donald Trump anunciou sua candidatura em 2015, Mary Trump parece não ter dito nada publicamente.

Mas, quando ficou claro que seu tio havia levado a presidência, ela foi ao Twitter. “Pior noite da minha vida”, ela escreveu pelo menos 12 vezes em tuites que foram apagados recentemente. “Vamos ser julgados com dureza... lamento pelo nosso país”.

O profissional de relações públicas de Mary Trump, quando solicitado a verificar se Mary escrevera os tuites, não quis comentar.

No ano passado, de acordo com registros corporativos, Mary criou uma empresa que ecoava o nome da família trágica dos romances de Faulkner: Compson Enterprises. Em uma descrição inicial de seu livro, feita para manter o projeto em segredo, seu nome aparecia como Mary Compson.

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Agora, Mary Trump parece esperar que, com a ajuda da publicação de seu livro, a próxima eleição presidencial seja diferente da anterior. Ela o prenunciou às 4:07 da manhã de 9 de novembro de 2016, logo após o tio ser declarado presidente eleito, ao tuitar, simplesmente: “2020”.

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