Mea-culpa de EUA agrada exterior

Ao admitir fracasso de políticas americanas, Hillary contenta líderes estrangeiros e favorece diálogo com inimigos

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Por Mark Landler
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Já se tornou algo recorrente nas viagens da secretária de Estado dos EUA, Hillary Rodham Clinton: a representante da diplomacia americana diz que a política de seu país em determinado tema falhou, para o deleite de seus ouvintes estrangeiros. Na sexta-feira, Hillary admitiu em Santo Domingo, na República Dominicana, que a política do governo George W. Bush para Cuba não funcionou. Segundo ela, é por isso que o presidente Barack Obama decidiu levantar as restrições ao envio de remessas e às viagens de cubano-americanos à ilha, medida anunciada na segunda-feira. "Continuamos a procurar caminhos produtivos para seguir adiante porque acreditamos que as políticas do presidente (Bush) falharam", afirmou Hillary, horas antes de partir para Trinidad e Tobago para juntar-se a Obama na Cúpula das Américas. O turnê da mea-culpa não se restringe à América Latina. Na China, Hillary disse que os EUA devem aceitar sua parcela de responsabilidade no problema do aquecimento global como o principal emissor de gases de efeito estufa. Na Indonésia, ela admitiu que as sanções a Mianmar não foram eficientes. E, no Oriente Médio, reconheceu que a política de isolar o Irã não persuadiu Teerã a abrir mão de suas ambições nucleares. ELOGIOS Como outros líderes de todo o globo, o presidente da República Dominicana, Leonel Antonio Fernandez, elogiou a Casa Branca pelo aceno a Cuba - definido por ele como um gesto de "grande coragem". "Obama está abrindo um novo caminho na região", disse Fernandez. "Há um reconhecimento de que as políticas anteriores (para a ilha) falharam. Cinquenta anos de uma estratégia que não conseguiu alcançar seus objetivos só pode ser chamado de um fracasso." Os assessores de Hillary esclareceram que ela não condenou o embargo comercial e financeiro à ilha, estabelecido nos anos 60. Na realidade, em seu discurso fez referência apenas às restrições às viagens e envios de dinheiro de cidadãos americanos a seus parentes na ilha - reforçadas por Bush. Isso, porém, parece importar pouco. Ouvir de uma autoridade americana de peso - alguém que quase concorreu à presidência - que os EUA erraram causa grande comoção em plateias de muitas partes do mundo. Foi o que aconteceu no México, quando Hillary admitiu que "o apetite insaciável" dos americanos por drogas tem uma parcela de culpa no problema do narcotráfico no país vizinho. A mudança de atitude já está surtindo efeito. Na sexta-feira o presidente cubano, Raúl Castro, saudou o fim das restrições às viagens de cubano-americanos, dizendo que está aberto para dialogar com os EUA "sobre qualquer tema", incluindo os direitos humanos e a libertação de prisioneiros políticos. "Esses comentários são bem-vindos e a abertura que eles representam também", respondeu Hillary. "Estamos examinando com cuidado como responder." Há pouco mais de uma semana o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, também deu sinais de que poderia aceitar uma trégua, dizendo que o Irã pode fazer uma nova oferta para o Ocidente em relação ao seu programa nuclear. É claro que os desafios à administração americana ainda são grandes: a Coreia do Norte, por exemplo, recebeu o governo Obama com um polêmico teste de míssil e ameaças de abandonar as negociações sobre seu programa nuclear. Hillary, em resposta, adotou um tom duro em relação ao líder coreano, Kim Jong-il. Mas em muitos países suas declarações têm mesmo causado alívio e indicado que a administração Obama está de fato disposta a dialogar com antigos inimigos. Questionada se os EUA poderiam se aproximar de líderes latino-americanos hostis a seu país, como o venezuelano Hugo Chávez, Hillary respondeu: "Vamos deixar a ideologia de lado."

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