Medo e drama dominam rotina de cidade sob ataque na Síria

Correspondente da BBC em Aleppo relata como a cidade está enfrentando a rotina de bombardeio e mortes, em meio aos enfrentamentos com o regime sírio.

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Por Paul Wood
Atualização:

O jato da Força Aérea síria passou rugindo, fazendo com que as pessoas virassem seus pescoços e, ao mesmo tempo, recuassem. Um pequeno ponto - uma bomba - se desprendeu enquanto a aeronave desaparecia por entre os prédios no horizonte. Nós contamos até cinco antes que ela chegasse ao chão, em explosão ensurdecedora que estremeceu as janelas. Uma grande nuvem negra surgiu, manchando o céu no fim da estrada. Quando chegamos lá, encontramos o caos. Uma pequena multidão de dezenas rapidamente se transformou em centenas, à medida que homens chegavam correndo de ruas próximas para ajudar. Uma caminhonete branca estava envolta em chamas. Um círculo de terra arrasada, ao longo de 30m ou 40m, irradiava do local. Uma mulher roliça vestindo um lenço e uma túnica florida puxava um menino pela mão. "Abdo, Abdo", ela gritava, o nome de um homem que corria para recolher a criança. "Abdo, minha família está morta." Ela estava descalça, fugindo do que sobrou de seu lar em um prédio de apartamentos de três andares. Parte da fachada foi destruída, e o teto caiu. Ainda havia pessoas dentro do prédio. Ataque aéreo Homens escalavam a parte de fora do prédio, procurando freneticamente por uma brecha na alvenaria e removendo os destroços. Uma fumaça preta enchia as ruas. Um homem gritava, apontando para o prédio: "Civis. Bashar (em referência ao presidente Bashar al-Assad), seu porco! Seu inimigo de Deus!" A multidão começou a entoar um desafiador "Deus é grande". Até que, todos ao mesmo tempo, eles pararam e começaram a correr em todas as direções. "Tayara! Avião!", o homem próximo a mim gritou. Nós nos empurramos, cambaleando sobre os destroços e o metal retorcido, tentando não tropeçar uns nos outros em nosso pânico de fugir. Como o avião não retornou, a multidão voltou para assistir ao resgate novamente. A maior parte da parede do andar superior havia desaparecido. Nós estávamos olhando dentro da sala de alguém. Pouco depois um soldado do grupo rebelde Exército Livre da Síria surgiu carregando duas meninas nos braços, ainda de pijamas, e uma terceira os seguia. As garotas estavam espantadas e cobertas de poeira, mas não haviam sido feridas. Os cantos de "Deus é grande" logo voltaram a inundar o ambiente. Antes que as meninas pudessem ser colocadas no chão, a multidão começou a se mover, e tiros de metralhadora puderam ser ouvidos. Nós nos escondemos sob uma garagem - o primeiro telhado que avistamos - e pudemos ver a silhueta de um avião não-tripulado (drone) voando muito perto. Achamos que era hora de ir embora. Era claro que algo estava acontecendo. Mais tarde, ficamos sabendo que dez pessoas morreram naquele local. Sem escolha Os rebeldes dizem não ter escolha a não ser lutar, e frequentemente fazem isso a partir de áreas residenciais. Eles tentam manter suas posições na região, mas, de acordo com um comandante local, Mudar al-Najar, foram traídos por informantes. E, de acordo com ele, o regime estava feliz em matar civis "deliberadamente", atacando hospitais e filas para comprar pão em Aleppo. "Eles fazem de propósito para afastar as pessoas de nós. Este regime não sabe lutar. Só sabe como matar. Eles não nos confrontam homem a homem, eles nos atacam à distância com artilharia e ataques aéreos", diz. 'O que eu faço?' Os protestos na Síria começaram há um ano e meio, e há meses o regime envia jatos de guerra para alvejar seu próprio povo e tentar conter a rebelião. Isso vem se agravando, e a melhor descrição da situação atual é a de uma guerra civil. Os drones têm sido usados desde o início da batalha em Aleppo, e seu bombardeio pode durar várias horas. Cada rasante sobre a cidade é uma experiência aterrorizante. Uma voz em pânico pode ser ouvida no rádio do comandante do Exército Livre da Síria: "O avião está vindo. Eu só tenho um russo (uma metralhadora Kalashnikov). O que eu faço?" O comandante responde: "Mire sua arma contra o avião e diga 'Deus é grande'. Diga 'Deus é grande' enquanto você atira". 'Ninguém virá ajudar' O Exército Livre da Síria em Aleppo não tem lançadores de mísseis aéreos, capazes de derrubar um avião. Os jatos de guerra fazem seus rasantes sobre a cidade sabendo que poderão voltar quantas vezes quiserem. Os pilotos sabem que não estão correndo risco de serem abatidos. Os comandantes rebeldes dizem que o mundo exterior - especialmente os governos árabes e ocidentais - têm, em última instância, responsabilidade moral por isso. Em todos os lugares que visitamos, as pessoas estavam amargas. "Eu quero fazer uma pergunta para você. Por que o mundo inteiro está assistindo e não está fazendo nada? Os mortos estão se empilhando nas ruas. Nós estamos enterrando pessoas nos quintais. Por que o mundo está protegendo Bashar?" Os governos ocidentais não querem entrar na Síria, temerosos de todas as consequências e de tudo o que poderia dar errado. Eles relutam ainda mais após os tumultos e protestos que balançaram o Oriente Médio na última semana. Em Aleppo, o Exército Livre diz estar ganhando terreno em uma luta absurdamente injusta contra artilharia e ataques aéreos. E ao menos até agora, eles não têm a ilusão de que alguém está vindo ajudá-los. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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