Mercado imobiliário de Cuba cresce depois de reformas limitadas

Televisão estatal agora pode ter propagandas de casas particulares à venda.

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Por Sarah Rainsford
Atualização:

Uma reforma limitada que permitiu a compra e venda de imóveis está causando o crescimento do mercado imobiliário em Cuba. Durante décadas, a única forma de mudar de casa em Cuba era por meio de trocas. Oficialmente, não havia dinheiro envolvido, mas o processo, restritivo e burocrático, estimulava o mercado paralelo. Com o pagamento de uma taxa era possível trocar de imóvel mais rapidamente. As vendas de casas eram disfarçadas até com casamentos falsos: a pessoa pagava, se casava, a propriedade era transferida para o nome da pessoa e, então, ocorria o divórcio. Mas há quase um ano o presidente Raúl Castro deu início a reformas que permitiram, entre outras coisas, que os cubanos comprem e vendam imóveis legalmente. Com isso, os anúncios de casas à venda chegaram até à televisão estatal cubana, onde, durante muitos anos, qualquer tipo de propaganda foi proibido. Todos os dias, os apresentadores do programa Hola Habana mostram a lista de propriedades oferecidas. "Recebemos inúmeros pedidos por correio, e-mail ou entregues pessoalmente. A venda de casas ainda é algo novo, mas a demanda é grande. O interesse cresceu muito", afirmou Marta Cepeda, chefe do departamento onde o programa é produzido. Nas ruas Em um subúrbio de Havana, Eduardo Marquez está aproveitando a oportunidade e, estacionado em frente ao prédio onde fica seu apartamento, um carro americano da década de 50 já exibe uma placa anunciando que o veículo está à venda. Marquez vai sair de Cuba e morar com a esposa nos Estados Unidos. Ele pretende vender o carro e o apartamento de dois quartos com todos os móveis. "Antes, se você emigrava, tinha que deixar tudo para o Estado: o carro, a casa, eles confiscavam tudo. Agora podemos vender e isto significa que terei dinheiro para levar aos EUA", disse. Os espaços para anúncios de imóveis no programa Hola Habana são limitados e, apesar do número de pessoas anunciando na internet ter aumentado, o acesso à rede é restrito e caro. Então, nos finais de semana, Marquez se junda a um número cada vez maior de proprietários de imóveis no Paseo del Prado, em Havana, colocando anúncios escritos à mão em pedaços de papelão, presos nas arvores da avenida. "Agora tenho registrado muito mais vendas do que trocas", conta Yolaida, uma das muitas corretoras imobiliárias sem licença que "facilita" os dois tipos de operação em troca do pagamento de uma taxa. "A troca era muito mais complicada. As pessoas costumavam esperar até um ano por algo mais adequado ao que queriam. Agora podem comprar e vender quando quiserem, é muito mais rápido e simples", acrescentou. Estrangeiros ainda não podem comprar imóveis em Cuba e os cubanos só podem ter um imóvel, para evitar a especulação. Com as mudanças no setor, todos os tipos de compradores e vendedores foram para as ruas. Um deles é o arquiteto Juan-Carlos, que procura um imóvel para comprar entre os anúncios pendurados nas árvores. Ele planeja juntar dinheiro com um amigo, comprar um imóvel maior e alugar quartos para turistas, para complementar o pequeno salário que recebe do Estado. "Estas mudanças precisam acontecer. A economia precisava se sustentar e acho que as coisas vão se abrir mais agora, aos poucos", disse. Preços Mas os que querem comprar reclamam dos preços. Os imóveis mais desejados chegam a custar US$ 100 mil e mesmo os mais modestos são muito mais caros do que o que a maioria dos cubanos pode pagar. O salário pago pelo governo é, em média, menor que US$ 20 por mês e os financiamentos em bancos são baixos e difíceis de conseguir. Isso é um indicativo de que boa parte do dinheiro entrando neste mercado pode ser dos familiares mais ricos de cubanos, que vivem em outros países. "Há todo tipo de distorção. Mas o governo não pode esperar até que um funcionário público tenha o dinheiro para comprar um apartamento. Você precisa abrir a possibilidade primeiro, então chegar ao ponto em que os salários dos trabalhadores cubram pelo menos o depósito", afirma Omar Everleny, chefe do centro estatal para Estudos da Economia Cubana. Outro fato é que, apesar dos sinais apontando para o crescimento do mercado, estatísticas oficiais de janeiro a agosto registram apenas cerca de 15 mil transações imobiliárias, enquanto o número de doações de imóveis é quase o dobro. O que parece dar base para as alegações de que muitos vendedores afirmam que uma venda foi uma "doação", o que gera uma taxa menor a ser paga. Mas, para muitos, cubanos a situação melhorou. "A situação era louca no passado. Antes, se você queria comprar meu apartamento, você tinha que se casar comigo, então eu 'doaria' o imóvel para você", conta Miguel, um jovem que quer vender o apartamento para se mudar para o Canadá. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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