Os presidentes Alberto Fernández e Emmanuel Macron se reúnem na quarta-feira em Paris. A reunião será definidora das relações da Argentina não com a França, mas com o Brasil. Se Fernández se aliar a Macron, líder do protecionismo europeu, no pleito de uma renegociação do acordo Mercosul-União Europeia, haverá um curto-circuito entre Brasília e Buenos Aires.
“Se Fernández propuser isso, vamos ter problema”, me disse uma fonte do governo brasileiro. “Ainda que Macron e Fernández queiram, não vai acontecer uma revisão do acordo. Nem Brasil nem Uruguai nem Paraguai nem a Comissão Europeia, ninguém vai reabrir o acordo.”
Entretanto, em Buenos Aires, há a expectativa de que Fernández faça algum movimento nessa direção. “A preocupação do novo governo argentino está não tanto pelo acordo com a UE, mas por alguns dos compromissos que estariam sendo assumidos”, me disse Félix Peña, diretor do Instituto para o Comércio Internacional da Fundação ICBC, em Buenos Aires. “É preciso ter em conta que o acordo ainda não foi firmado.”
Os chanceleres de Brasil e Argentina, Ernesto Araújo e Felipe Solá, se reunirão pela primeira vez no dia 12 em Brasília. O foco do encontro será justamente a agenda do Mercosul. Só então o governo brasileiro ouvirá em primeira mão as posições de seu mais importante parceiro no Mercosul.
Poucos dias antes da posse de Fernández, no início de dezembro, o presidente Jair Bolsonaro levou à reunião de cúpula do Mercosul, em Bento Gonçalves (RS), uma lista de bens industriais cujas tarifas de importação o Brasil gostaria de reduzir. Até hoje não se sabe o que o governo argentino acha da proposta.
Tem havido declarações genéricas e desencontradas sobre livre comércio em Buenos Aires - a maioria delas, hostil. Do outro lado do Atlântico, Macron enfrenta dificuldades com os sindicatos franceses por causa de suas reformas trabalhista e previdenciária. A carta surrada do protecionismo serve para compensar essas investidas liberais.
O Brasil tem fornecido pretextos, com posições que deixam dúvida sobre sua disposição de proteger a Amazônia. Isso dá argumentos aos que desejam manter as barreiras contra o agronegócio brasileiro.
Como Bolsonaro deixou claro na semana passada na Índia, a estratégia brasileira de abertura comercial vai muito além da UE. “Estamos alinhados com o Uruguai e o Paraguai no plano de fechar acordos com a Coreia do Sul, o Canadá, Cingapura, Sudeste Asiático, Japão e América Central”, enumerou a fonte do governo brasileiro.
O que desperta uma certa esperança em Brasília é que o poderoso agronegócio argentino tem interesse na abertura de mercados. E a parte protecionista da indústria argentina, por sua vez, assim como a brasileira, não gostaria de uma ruptura no Mercosul.
Outra coisa que anima o Itamaraty é a nomeação de Daniel Scioli, ex-diretor da Electrolux na Argentina, para a embaixada em Brasília. Scioli foi vice de Néstor Kirchner (2003--2007), governador da importante província de Buenos Aires (2007 - 2015) e candidato a presidente em 2015. É alguém com pleno acesso ao presidente, o que facilitará a comunicação.
Além disso, o governo Fernández tem dado alguns sinais de pragmatismo. Abandonou o alinhamento automático ao chavismo da era Kirchner e condenou a ação das forças de segurança venezuelanas de impedir a entrada do líder oposicionista Juan Guaidó na Assembleia Nacional, que ele preside. O pacote fiscal lançado em dezembro demonstrou preocupação com o equilíbrio das contas, me disse a economista Marina dal Pogetto, da Eco Go Consultores, de Buenos Aires. Na semana passada, o governo derrapou na estratégia “voluntarista” de pagamento da dívida, com uma proposta não amigável aos credores. Mas os dilemas comerciais parecem simples ao lado do drama da dívida argentina.