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Mercosul 'empurra' Paraguai a se aliar com outros países, diz ministro

Novo titular da Economia diz que não haverá tempo para renegociar Itaipu

Por BBC Brasil
Atualização:

BUENOS AIRES - Os países do Mercosul estão "empurrando" o Paraguai a buscar alianças com outros países ou blocos. A análise é do novo ministro da Fazenda do país, Manuel Ferreira Brusquetti, indicado pelo também novo presidente, Federico Franco. Veja também:linkVídeo revela encontro entre chanceler da Venezuela e generais paraguaioslinkPara Insulza, da OEA, situação no Paraguai é 'delicada'linkUruguai é contra ingresso da Venezuela no MercosulEm uma entrevista exclusiva à BBC Brasil durante sua passagem por Buenos Aires, o ministro disse que ficou "surpreso" com a "atitude do Brasil" em apoiar a suspensão do Paraguai e a entrada "às pressas" da Venezuela no bloco. "Na prática, trocaram o Paraguai pela Venezuela mas como disse o vice-presidente uruguaio, com quem conversei, ferindo a institucionalidade do Mercosul",afirmou. Brusquetti disse ainda que espera manter a estabilidade econômica no Paraguai e "proteger os brasiguaios" nestes 14 meses de gestão de Franco. Economista com mestrado na universidade de Essex e doutorado na universidade de Massachusets, ele era consultor antes de ser ministro e diz que "seria interessante" que os sócios do Mercosul enviassem missão ao Paraguai. "O que ocorre hoje é o renascimento da tríplice aliança, mas com o Uruguai com dúvidas sobre este recesso". BBC Brasil: Qual o principal desafio econômico do Paraguai hoje? Manuel Ferreira Brusquetti: Sustentar a estabilidade macroeconômica que conseguimos até agora, com uma taxa de inflação controlada e um déficit fiscal controlado. E começar a gerar políticas que possam gerar as condições para o desenvolvimento econômico, basicamente estimular obras que são necessárias no Paraguai há muitos anos e medidas que permitam maior igualdade social. BBC Brasil: E de onde sairiam os recursos? Manuel Ferreira Brusquetti: Hoje temos um fundo de compensação da (hidrelétrica) de Itaipu, com mais de US$ 150 milhões. O dinheiro já existe, o que não existe é a lei que nos permita utilizar estes recursos. O texto do projeto já está no Congresso e vamos enviar, nos próximos dias, algumas modificações. BBC Brasil: O senhor pensa na revisão do acordo de Itaipu com o Brasil? Manuel Ferreira Brusquetti: Este é um governo que não tem tempo para fazer isso. Esse é um governo que está semeando para que o próximo governo faça a colheita. Na verdade achei atraente esse convite do presidente porque hoje existe a oportunidade de se fazer muitas coisas no Paraguai que em outras circunstâncias seria complicado fazer. Porque a realidade é que precisamos de muito apoio do Parlamento para fazer coisas e achamos que hoje existe essa vontade política do Parlamento. BBC Brasil: E a reforma agrária, que esteve no centro do conflito que precipitou o impeachment de Lugo? Manuel Ferreira Brusquetti: Sabemos que não temos muito tempo, mas temos tempo para fazer o cadastramento (de sem terras), que depende do Ministério da Fazenda. No Paraguai não se sabe a quantidade de terras. Com isso vamos ter identificado (propriedades de) até 100 hectares. Serão mais ou menos umas 30 mil propriedades. Depois vamos reduzir esta medição para até 20 hectares, mas nós não temos tempo. O próximo governo saberá exatamente do que dispõe, quantas terras existem e o que se pode fazer. BBC Brasil: Como o senhor vê a questão dos brasiguaios, que estão no centro de muitos conflitos de terras? Algo pode mudar ou seguirá tudo como está atualmente? Manuel Ferreira Brusquetti: Acho que os brasiguaios trabalharam muito para a aproximação do Paraguai e do Brasil nesses dias. Eles estiveram com a presidente (Dilma Rousseff). Eu trabalhei muito com os brasiguaios. Gente de muito valor, que chegou com uma enxada, um machado na mão e nada mais. Que há 35 anos chegou para trabalhar em condições sub-humanas e hoje tem o que tem em função do esforço e do trabalho. BBC Brasil: Ou seja, as atuais regras continuariam valendo para os brasiguaios? Manuel Ferreira Brusquetti: Ao contrário, o que queremos é proteger essas pessoas. Pessoas que compraram suas terras honestamente e não me importa de que país seja. Temos os uruguaios, que têm 1 milhão de hectares no Paraguai. Muitos brasileiros, argentinos que investiram. Nós, na verdade, queremos proteger estas pessoas para que possam trabalhar e também queremos proteger o camponês. Eles também foram enganados no pseudo-processo de reforma agrária, onde lhes deram um pedaço de terra, mas nunca lhes deram o titulo de propriedade. É preciso trabalhar para construir a legalidade para estas questões. BBC Brasil: E a Liga dos Carperos, que estaria envolvida nos últimos episódios de terra no país? Como seria essa relação? Também vão conversar com eles? Manuel Ferreira Brusquetti: Na verdade esta parte não funciona muito no Ministério (da Fazenda). Na nossa pasta vamos contribuir com o cadastramento. BBC Brasil: O Paraguai foi suspenso do Mercosul. Como o senhor viu essa decisão? Manuel Ferreira Brusquetti: Conversei com o vice-presidente (do Uruguai), Danilo Astori. Achei suas observações muito pertinentes, porque na verdade isso ataca a institucionalidade do Mercosul. A exclusão do Paraguai para incluir a Venezuela é uma decisão que não pode ser tomada às pressas porque pode ferir a legitimidade do Mercosul e isso poderia afetar a união no futuro. Se está gerando um ambiente de tríplice aliança em pleno século 21, o século da globalização. E na verdade o que temos é que avançar com mais integração e unidade e o que ocorreu foi um despropósito. Teria sido muito mais interessante que o Paraguai pudesse ter participado da cúpula em Mendoza para se reunir com seus pares e discutir o que ocorreu. Porque ao existir uma união aduaneira é preciso haver espaço para que as pessoas com as quais nos estamos integrando opinem sobre os processos que estão ocorrendo. BBC Brasil: O senhor acha que o que ocorreu foi dentro da constitucionalidade? Manuel Ferreira Brusquetti: Foi feito dentro da constitucionalidade e não há a menor dúvida. BBC Brasil: O senhor acha possível reverter a entrada da Venezuela e a suspensão temporária do Paraguai? Manuel Ferreira Brusquetti: Pessoalmente acho que sim, que ao Paraguai interessa estar no Mercosul e eu pessoalmente vou trabalhar nisso, mesmo quando não estiver mais no governo. Tiraram o Paraguai para colocar a Venezuela. Como economista, me interessa que a Venezuela entre no Mercosul. Para mim é a ampliação do espaço do mercado comum. Mas não posso aceitar o que o Congresso paraguaio deixar de decidir. Essa é a regra do Mercosul, desrespeitada nada menos do que pelo Brasil. O Brasil, que quer ser o líder da América do Sul, não vai respeitar as regras? Como ficará sua reputação internacional? Hoje não vejo uma situação muito clara. BBC Brasil: O senhor ficou surpreso com a atitude do Brasil? Do Itamaraty? Manuel Ferreira Brusquetti: O Itamaraty está envolvido nessa situação? Não acho. BBC Brasil: O senhor acha que foi mais uma decisão política? Manuel Ferreira Brusquetti: Acho que foi uma decisão política. Me surpreende porque o Brasil está jogando outras cartas e isso pode ser nefasto para suas aspirações. Qual será a visão que se terá do Brasil no resto do mundo? BBC Brasil: Como o senhor vê essa dita pressa de se ampliar o Mercosul em um momento no qual China se interessa pela região? O Paraguai pode chegar a rever sua presença no Mercosul? Manuel Ferreira Brusquetti: Estão empurrando o Paraguai a fazer isso. Foi iniciado no Paraguai um processo de discussão sobre isso. Espero que não sigam levando (o país) a tomar esse tipo de decisão (de buscar outros blocos). Tem gente dizendo no Paraguai que é preciso sair do Mercosul e negociar com outros grupos, como se fôssemos um país associado. E tem gente dizendo que devemos sair completamente do bloco. Fala-se de tudo. BBC Brasil: Por exemplo, um tratado de livre comércio com Estados Unidos (como indicou o próprio presidente Federico Franco)? Manuel Ferreira Brusquetti: Com Estados Unidos, com a o grupo (Aliança) do Pacifico, enfim. Isto seria realmente muito lamentável se ocorresse. BBC Brasil: E a relação do Paraguai com o Brasil? Os dois países têm uma relação histórica, comercio bilateral, Itaipu... Manuel Ferreira Brusquetti: O Paraguai é o principal destino de imigração brasileira no mundo. No Paraguai moram 700 mil brasileiros. Existem partes do Paraguai onde o idioma é o português. Os brasiguaios falam português. Gente que nasceu no Paraguai, filhos de brasileiros, falam português. O português é o terceiro idioma do Paraguai (depois de espanhol e guarani). Nós temos um vínculo de irmandade e de relação de muitos anos. BBC Brasil: No Brasil e na Argentina houve a interpretação de que ocorreu um golpe no Paraguai. Como o senhor viu essa reação? Manuel Ferreira Brusquetti: Foram cumpridos os processos constitucionais. O que está se discutindo é quanto tempo poderia ter durado esse processo (de impeachment). Acho que existe um erro na constituição paraguaia. No processo de impeachment, a pessoa acusada não é removida do seu cargo. O processo de Collor de Mello durou três meses, mas Collor foi removido do seu cargo para ser julgado. A constituição paraguaia não diz isso. Acho que o Paraguai deveria rever esta questão. BBC Brasil: O impeachment de Lugo é um tema que ainda gera polêmicas ou já se virou a página?

 

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Manuel Ferreira Brusquetti: Nos ambientes de polarização, muita gente está a favor. Na verdade não a favor de Lugo mas contra a forma como foi o episódio (de impeachment). Todo mundo entende que foi dentro da constitucionalidade mas também se discute que o tempo foi muito curto... Mas agora muita gente começou a se unir contra a Tríplice Aliança. Essa situação me preocupa porque gera um sentimento de nacionalismo tão forte que pode ser difícil retroceder. E nós queremos e precisamos nos integrar cada vez mais ao mundo. Mas estão despertando este sentimento no cidadão paraguaio. BBC Brasil: O Uruguai seria parte desta "Triplice Aliança" ou apoiaria o Paraguai? Manuel Ferreira Brusquetti: Acho que o vice-presidente Astori, do Uruguai, coincide com essa visão de que não se respeitou o Tratado de Assunção. Por isso acho que temos que esperar o tempo para que o tempo cure as feridas.

 

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