O presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, interveio nesta segunda-feira na maior crise política desde o fim da 2.ª Guerra e exortou os partidos a chegarem a um acordo de coalizão para impedir a convocação de novas eleições ao Parlamento – algo inédito no país.
O apelo dá sobrevida à tentativa da chanceler Angela Merkel de se manter no poder, depois de não ter obtido uma maioria absoluta na eleição de 24 de setembro. Caso o entendimento seja impossível, a ex-intocável líder alemã terá de passar por um voto de confiança antes do retorno às urnas.
Steinmeier tem o poder de nomear Merkel chanceler com uma bancada minoritária em caso de derrota do voto de confiança no Parlamento. Em sua primeira entrevista após o fracasso da coalizão, Merkel disse que prefere enfrentar novas eleições a governar sem maioria. Para a chanceler, a negociação de uma coalizão é uma questão de sobrevivência política.
+ Merkel tenta avançar em negociações para formar coalização de governo
As negociações comandadas por Merkel estavam em curso até a noite de domingo, quando foram rompidas pelo presidente do Partido Liberal-Democrata (FDP - centro direita), Christian Lindner. “Não abandonaremos nossos eleitores continuando a fazer uma forma de política na qual não temos convicção”, disse, alegando que não havia “bases comuns” para fechar uma coalizão com o Partido Verde, de tendência de centro-esquerda. “É preferível não governar do que mal governar.”
Entre os grandes pontos de divergência da “coalizão Jamaica” – uma referências às cores preta, verde e amarela das legendas envolvidas – estão a política migratória. O FDP queria a fixação de um limite de 200 mil na chegada anual de novos imigrantes ao país, que enfrentou uma onda de mais de 1 milhão de chegadas entre 2015 e 2016. Os ambientalistas, ao contrário, pressionavam para que os parentes dos refugiados possam viver na Alemanha.
Com o rompimento das negociações, as atenções se voltaram ao Partido Social-Democrata (SPD), que governou com o Partido Democrata-Cristão (CDU), de Merkel, por dois dos três mandatos da chanceler, incluindo o último, entre 2013 e 2017. Mas o líder da legenda, Martin Schulz, reafirmou que pretende liderar a oposição no Parlamento.
A falta de acordo deixou a chanceler em situação delicada. Com isso, Steinmeier interveio, exortando os partidos a respeitar o resultado das urnas, que deram vitória a Merkel. “Continuo a esperar que os partidos estejam disponíveis para o diálogo a fim de tornar possível, em um prazo razoável, a formação de um governo”, afirmou, lembrando a política do compromisso das legendas com a estabilidade, o que marca a vida política na Alemanha.
Ex-líder incontestável, a democrata-cristã de perfil de centro-direita moderada enfrenta uma crescente desconfiança da opinião pública. Pesquisa do jornal Die Welt revelou que 61,4% dos entrevistados considera que a chanceler não teria mais condições de se candidatar se não for capaz de chegar a um acordo de coalizão. Segundo o cientista político Josef Janning, diretor do escritório de Berlim do Conselho Europeu de Relações Internacionais, o impasse político já mina o futuro da chanceler.
“Em qualquer cenário, parece difícil que Merkel consiga se manter como a líder forte e incontestável que foi para a Alemanha e a Europa até aqui”, disse ao Estado. “Ela não é mais a chanceler eleita, mas apenas em exercício, e terá de se submeter a três votos de confiança no Parlamento antes que eleições antecipadas possam ser convocadas. Isso será muito desgastante e humilhante.”
De acordo com Janning, a tendência mais forte é de realização de um novo pleito, em princípio para março, pois as negociações não devem funcionar. A razão do impasse é a fragmentação do cenário político, um processo que afeta outras democracias da Europa.
Na história da Alemanha pós-2ª Guerra, lembra Janning, nunca houve tantos partidos no Parlamento, nunca havia sido necessário negociar uma coalizão com tantas legendas e nunca as negociações haviam resultado em um fracasso. Diante disso, o cenário é imprevisível. “Merkel vai concorrer e já disse que não está pronta a abandonar. Mas isso será um problema até para o seu partido.”