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Meu conselho sobre a Síria

Apenas a força não dará fim ao conflito e corre o risco de lançar o país em uma longa guerra sectária revanchista

Por Kofi Annan e The Financial Times
Atualização:

Alepo está sitiada e a perspectiva da perda de outras milhares de vidas civis na Síria é muito alta. A ONU condenou o avanço da guerra civil, mas a luta continua sem sinal de alívio para os sírios. Elementos jihadistas foram arrastados para o conflito. Há também uma forte preocupação com a segurança das armas químicas e biológicas da Síria. A comunidade internacional parece impotente em suas tentativas de influenciar o curso brutal dos fatos, mas isto não é absolutamente inevitável. Embora o Conselho de Segurança da ONU esteja imobilizado pelo impasse, o mesmo ocorre com a Síria. O governo tentou suprimir, por meios da violência extrema, um movimento popular e generalizado que, após 40 anos de ditadura, decidiu que não seria mais intimidado. O resultado tem sido uma crescente perda de controle de território e a oposição recorreu a sua própria campanha militar para contra-atacar.No entanto, ainda não está claro como o governo de Bashar Assad pode ser derrubado somente pela força. Há também um impasse político. Um movimento de massa nascido da reivindicação de direitos civis e políticos e do fortalecimento das vozes em defesa da mudança surgiu na Síria após março de 2011. No entanto, a despeito de toda a coragem extraordinária que os manifestantes precisaram ter para marchar a cada dia ante a escalada da violência, o movimento não conseguiu superar as divisões comunais da Síria. As chances de superar essa dificuldade foram perdidas em meio à intensificação da violência. Apenas meios militares não darão fim à crise. Da mesma maneira, uma agenda política que não seja inclusiva e compreensiva fracassará. A distribuição de forças e as divisões na sociedade síria são tais que somente uma transição política negociada seria capaz de terminar com o regime repressivo do passado e evitar um futuro mergulho em uma longa guerra sectária revanchista. Para um desafio desse porte, somente uma comunidade internacional unida pode compelir ambas as partes a uma transição política pacífica. Contudo, um processo político será difícil, se não impossível, enquanto todos os lados - dentro e fora da Síria - virem a oportunidade de promover suas próprias agendas estreitas por meios militares. A divisão internacional representa a alimentação de uma violenta competição no terreno. É por isso que busquei consistentemente ajudar a comunidade internacional a trabalhar unida para pôr fim a essa dinâmica destrutiva e levar as pessoas a se engajarem num processo político. Transição. No início de meu mandato, ganhamos respaldo internacional com resoluções do Conselho de Segurança que autorizavam a presença de observadores militares da ONU na Síria. Após um cessar-fogo, em 12 de abril, ao contrário de algumas alegações, o bombardeio de comunidades civis pelo governo parou, demonstrando o impacto que essa unidade poderia ter. Não se seguiu, contudo, um respaldo internacional sustentado. O cessar-fogo rapidamente se desfez e o governo, percebendo que não haveria consequências, retornou à campanha militar aberta e recomeçou a usar armas pesadas em cidades. Em resposta, procurei revitalizar o impulso à unidade em junho, criando o Grupo de Ação Internacional para a Síria, estabelecendo um arcabouço de transição que respaldasse os esforços sírios para mudar para o organismo governante de transição com plenos poderes executivos. Transição significa uma mudança de governo controlada, mas plena - uma mudança de quem conduz a Síria e de como ele a conduz. Saímos da reunião acreditando que uma resolução do Conselho de Segurança endossando a decisão do grupo estava garantida - como a primeira de uma série de medidas que sinalizaria um ponto de virada. No entanto, não houve desdobramentos de lá para cá. Houve, sim, acusações de culpa e destemperos no Conselho de Segurança da ONU. Há claros interesses comuns para as potências regionais e internacionais numa transição política controlada. Uma conflagração ameaça causar uma explosão na região que poderia afetar o resto do mundo. No entanto, é preciso liderança para um acordo capaz de superar a sedução destrutiva das rivalidades nacionais. Uma ação conjunta requer esforços bilaterais e coletivos, por parte de todos os países com influência sobre os atores no terreno na Síria, para pressionar ambas as partes no sentido de que uma solução política é fundamental. Legitimidade. Para Rússia, China e Irã isto significa que eles precisam fazer esforços concertados para persuadir Assad a mudar de rumo e aceitar uma transição política, percebendo que o governo atual perdeu toda sua legitimidade. Uma primeira medida do governo é vital, visto que sua intransigência e recusa em implementar o plano de paz de seis pontos é o principal obstáculo a qualquer processo político pacífico e assegura a desconfiança da oposição nas propostas de uma transição negociada. Para Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Turquia, Arábia Saudita e Catar, isso significa pressionar a oposição a aceitar um processo político plenamente inclusivo - que prevê comunidades e instituições atualmente associadas ao governo. Isso significa também reconhecer que o futuro da Síria vai muito além do destino de um único homem. Está claro que o presidente Bashar Assad deve deixar o cargo. O foco maior, contudo, precisa ser em medidas e estruturas para garantir uma transição pacífica no longo prazo, para evitar um colapso caótico. Essa é a questão mais séria. A comunidade internacional precisa arcar com sua parcela de responsabilidade. Futuro da Síria. Nada disso é possível, entretanto, sem um genuíno compromisso de ambos os lados. O impasse significa que todos precisam mudar: o governo, a oposição, as potências internacionais e as regionais. Dessa maneira, a comunidade internacional pode destravar uma condição fundamental para um processo político - uma comunidade internacional unida, efetiva e ativamente defensora de uma transição pacífica para um governo legítimo. A Síria ainda pode ser salva da pior calamidade. No entanto, isso requer coragem e liderança, sobretudo dos membros permanentes do Conselho de Segurança, especialmente dos presidentes Vladimir Putin, da Rússia, e Barack Obama, dos Estados Unidos. Será que nossa comunidade internacional agirá em defesa dos mais vulneráveis de nosso mundo e fará os sacrifícios necessários para ajudar? As próximas semanas dirão. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK * É ex-secretário-geral da ONU e prêmio Nobel da Paz. Na semana passada, renunciou ao cargo de mediador da ONU na Síria

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