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México, atrás do prejuízo

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Por Mac Margolis
Atualização:

Na semana passada, o presidente do México, Enrique Peña Nieto, saiu do tumultuado Distrito Federal rumo ao Estado de Guerrero, no sul do país. Após mais de um mês de silêncio conspícuo, o líder encontrou-se com os pais e parentes dos 43 estudantes que desapareceram no fim de setembro. As circunstâncias do desaparecimento dos estudantes, todos alunos de uma escola pública, ainda não estão esclarecidas. Sabe-se apenas que o ônibus em que viajavam foi interceptado por policiais, por criminosos ou uma pareceria entre ambos. Os alunos nunca mais foram vistos. Testemunhas e parentes dos pais dizem que os estudantes acabaram nas mãos do cartel Guerreros Unidos, cartel de crime organizado que tem laços estreitos com líderes políticos da região, sob o comando do prefeito de Iguala, uma inexpressiva cidade no deserto. O encontro de Peña Nieto foi um gesto tão correto quanto tardio para esse chefe de Estado, eleito em 2012 com a árdua missão de repaginar um país crivado de contradições que ainda agoniza frente à barbárie quase medieval dos cartéis. Também foi um ato de sobrevivência política, pois sem dar resposta às gangues e seus padrinhos oficiais, que juntos mantém sob jugo a segunda economia latino-americana, não há reforma nem prosperidade que sobreviva. Em jogo está uma visão da modernização do país, preso há décadas na camisa de força do nacionalismo tosco e do torpor econômico, imposto pela tutela estatal. Há dois meses, Peña Nieto quebrou o encanto ao convencer o Congresso, após longa queda de braço, a empenhar uma suíte de novas regras, as mais arrojadas da região, que mexem com energia, telecomunicações e infraestrutura - os alicerces do país. Em ousadia, as reformas do jovem líder do PRI só se comparam com as negociações de paz entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionários de Colômbia (Farc) ou mesmo com o nosso Plano Real, que redefiniu o consenso econômico brasileiro. O mundo aplaudiu Peña Nieto. Os mexicanos, nem tanto. Há apenas um ano, dois terços do país ainda se mostraram descrentes da eficácia das reformas. A peça de resistência era a "entrega" da Pemex, o monopólio de petróleo criado há 76 anos com o suor e as economias dos mexicanos. Ainda se comemora no país o Dia da Expropriação Petroleira, quando o presidente Lázaro Cárdenas enxotou os gringos, em 1938, nacionalizou a companhia e declarou o monopólio do petróleo. Reforma. Em agosto, frente a uma década de produção decadente da petrolífera, Peña Nieto conseguiu quebrar o tabu e o Congresso aprovou a reforma. Os estrangeiros aplaudiram e saudaram o México como a nova potência entre os emergentes. Semana passada, o respeitado economista Martin Feldstein, ex-conselheiro do governo de Ronald Reagan, teceu elogios a Peña Nieto, batizando o México de "nova estrela ascendente da região". Em seu artigo, Feldstein acertou pela metade. Passou por cima de corrupção. De relance, mencionou o problema das drogas. Sobre a violência e o conluio entre governo e bandidos, nenhuma palavra. Isso com a nação inteira convulsionada pela tragédia de Guerrero. "Há dois Méxicos", diz Eric Farnsworth, do Council of the Americas, ex-integrante do governo de Bill Clinton. Um dos investidores, outro dos mexicanos. Entre os dois, há um estado de direito em farrapos. Sem repará-lo, Peña Nieto sabe que qualquer proposta de modernização será uma quimera. Com o atraso e o ceticismo do país, ele foi à luta. Será sua maior reforma. É COLABORADOR DA 'BLOOMBERG VIEW' E COLUNISTA DO 'ESTADO'

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