México freia africanos em rota Brasil-EUA 

Imigrantes cruzam vários países e enfrentam o perigo até chegar a Chiapas

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Por Verónica Calderón
Atualização:

TAPACHULA, MÉXICO - “Eu só quero chegar”, diz Dewa Nguibebe, um jovem de 17 anos que vem de Angola. Ele enumera a lista de países que percorreu desde que chegou: Brasil, Peru, Colômbia, Guatemala, Honduras e, finalmente, México. Integra um grupo de nove pessoas que está em Tapachula, no Estado de Chiapas. Esteve por quatro meses trabalhando nas ruas de Mato Grosso antes de cruzar a fronteira e iniciar o périplo.

Imigrantes africanos na cidade de Tapachula, no Estado mexicano de Chiapas, após cruzar a fronteira com a Guatemala, a caminho dos EUA Foto: Luis Villalobos / EFE

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Do Brasil, diz que só lhe interessou economizar para chegar. “A única coisa que sinto falta do Brasil é o idioma.” Nada mais. Segundo ele, o mais difícil para chegar ao México até agora foi cruzar a Colômbia. O país mais perigoso foi Honduras. Ainda se lembra da dengue que pegou em El Salvador e o fez parar por duas semanas. Nem a doença nem o calor o detiveram. “Lá (em El Salvador) não há nada para fazer. O que quer que haja nos EUA é melhor.”

Na fronteira sul do México é quente e úmido. Antes havia gestos de solidariedade nas ruas: roupas e água diante das casas. Agora só há tensão, e muita. O governo do presidente Andrés Manuel López Obrador, chamado popularmente de AMLO, cedeu a uma dura política migratória criada por Donald Trump para a fronteira sul do México depois que Washington ameaçou impor tarifas progressivas aos produtos mexicanos

O chanceler Marcelo Ebrard assumiu de facto as funções que eram da secretaria encarregada dos assuntos internos do México, como era a política de migração. Ebrard na semana passada esperava organizar um sistema de “gestão migratória” – que envolverá países como Brasil, Panamá e Guatemala, de onde muitos imigrantes saem antes de chegar ao México – para combater o problema. 

Nguibebe e sua família são algumas das centenas de origem africana que passaram pelo Brasil. Ele tem bolhas nos pés. Lembra que do Brasil passou para o Peru, depois para o Equador e a Colômbia. É um dos muitos africanos que fala um português que contrasta com o espanhol do restante dos imigrantes que cruzam o Rio Suchiate. “O mais difícil foi a selva”, diz. Durante sete dias, ele e seus companheiros de viagem só puderam tomar água. Um de seus companheiros se chama Emmanuel e é um angolano de 19 anos. 

Emmanuel lembra que da Colômbia tomaram um ferry para o Panamá. Para chegar à Nicarágua, foi preciso pagar entre US$ 100 e US$ 150. Em Honduras, bastou ser fotografado. Em El Salvador, também pegou dengue. Os amigos dizem que “foi muito fácil na Guatemala”, de onde entraram no México. Aqui dizem que são discriminados. Na Estação Migratória Século 21, por exemplo, afirmam que primeiro dão comida para os imigrantes centro-americanos. “Os africanos ficam com o que sobra.”

Levam nove meses na estrada e contando. Os EUA são a meta final e o cansaço é evidente. Faz poucos dias que um grupo de africanos protestou neste local, provocando destruição. O motivo: estão há mais de um mês esperando seus documentos. Dizem que os imigrantes cubanos e centro-americanos os recebem muito mais rápido. “Eles nos dão pouco para beber. Nós não entendemos nada e ninguém traduz nada”, afirma um homem que se identifica como Mawe e diz ser de Camarões.

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Todos os imigrantes sabem do perigo que enfrentam em um país onde os assassinatos chegam a dezenas de milhares a cada ano Foto: Luis Villalobos / EFE

Os imigrantes africanos na fronteira sul do México percorrem 20 mil quilômetros para chegar aos EUA. Ao chegar a Tapachula, escolhem a rota mais curta para o norte, mas também a mais perigosa: termina em Tamaulipas e Texas, onde foram encontradas valas de imigrantes nos últimos anos. Todos os imigrantes sabem do perigo que enfrentam em um país onde os assassinatos chegam a dezenas de milhares a cada ano. O primeiro trimestre de 2019 foi o mais violento desde 1997, quando começaram a ser feitos os levantamentos. Foram quase 8.500 assassinatos em três meses. Mas o grupo que aguarda em Chiapas não tem medo. “Nada é pior do que o lugar de onde viemos”, insistem.

A crise migratória marcou os seis primeiros meses de Obrador na presidência. A inesperada renúncia de Tonatiuh Guillén, diretor do Instituto Nacional de Migração, dias antes do envio de tropas para a fronteira sul, é a sétima entre secretários e funcionários dos setores de saúde, meio ambiente e segurança.

As críticas ao envio de 6 mil soldados da recém-criada Guarda Nacional, cuja legislação ainda deve ser aprovada, são de que parece uma solução apressada. O tuíte de Trump ameaçando impor tarifas ao México pôs na corda bamba a suposta vocação “humanista” que AMLO prometeu, durante a campanha, ser o selo de seu governo. Em seis meses, os mexicanos viram como a presidência de Obrador cortou programas científicos, culturais e esportivos; bolsas e fundos de educação; reduziu o orçamento para o setor médico e até mesmo convidou para atos públicos um sacerdote ativista e um membro da Igreja Evangélica.

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Os efeitos da militarização da fronteira sob as ordens do presidente americano surgirão em poucas semanas. Mas há o exemplo da visita que Trump, então candidato à presidência dos EUA, fez ao antecessor de AMLO, Enrique Peña Nieto: sua aprovação caiu e ele se tornou o presidente mais impopular da história recente do México, com apenas 15%.

AMLO acredita que sua popularidade sobreviverá ao embate, mas muitos não estão convencidos. Os mexicanos acompanham com nervosismo uma negociação que poderia levar o México à categoria de terceiro país seguro” – classificação que manteria os imigrantes em território mexicano. Trump prometeu revisar em 45 dias para ver se o governo mexicano reduziu o fluxo até os EUA. Um analista brinca: “Já esperamos o dia 46 como a quinta partida do Mundial”. O México nunca passou da quinta partida nas Copas do Mundo. “Neste ritmo, o dia 46 chegará primeiro que a quinta partida.”

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