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Milícias vão de casa em casa nas favelas e ‘convencem’ eleitor a votar em Maduro

Em votação a ser definida pela ida de oposição às urnas, presidente é favorito por controlar Justiça, órgão eleitoral, Legislativo, distribuição de subsídios, por manter 2,3 milhões de funcionários com gratificações e ainda ter apoio paramilitar

Por Rodrigo Cavalheiro
Atualização:

CARACAS - Milícias venezuelanas organizadas sob bases semelhantes às brasileiras - alimentadas por “contribuições” de moradores, regulação de serviços e captura de armas obtidas em confrontos com o narcotráfico - bateram de porta em porta nas favelas de Caracas para recomendar o voto no presidente Nicolás Maduro.

O relato inicial de pressão desses grupos, sem armas à vista, mas identificados com o tradicional uniforme preto, partiu de moradores das regiões de Petare, a maior favela de Caracas, e do município de Baruta, vizinho à capital. A reportagem apurava as razões pelas quais Maduro, com popularidade estimada em 20%, é considerado, tanto por opositores quanto por governistas, o provável vencedor na eleição deste domingo, 19. Seus principais adversários são o ex-chavista Henri Falcón e o pastor Javier Bertucci.

Motocicleta de miliciano é incendiada durante protesto em Caracas grupos paramilitares são usados para conter 'contrarrevolucionários' Foto: REUTERS/Ivan Alvarado

Os líderes das milícias venezuelanas são avessos a entrevistas. Acham injusto serem tratados como grupos paramilitares que reprimem opositores. O Estado esteve com dois chefes de “coletivos”, como esses movimentos são chamados na Venezuela, e visitou o território de um terceiro. Sem capuzes escondendo o rosto ou armas à mostra, um deles justificou a mobilização: uma derrota de Maduro os obrigaria a voltar à clandestinidade. O segundo admitiu ambições políticas que dependem da reeleição do presidente.

“Se Maduro perder, nossa única opção será entrar na clandestinidade. A direita vai querer nos exterminar e vamos resistir. Se alguém ameaça a revolução com armas, não vamos responder com flores”, disse David Delgado, de 54 anos, que fala em nome da Frente Miliciano Sucre (FMS), cuja área de atuação são os bairros Propatria, Casalta, La Silsa, onde vivem cerca de 300 mil caraquenhos. Ele admite que seu grupo bate de porta a porta, mas alega que os opositores, chamados de “esquálidos” pelos chavistas, são respeitados. “No nosso território, todos nos conhecem, não vamos armados. Só convencemos a população que há uma guerra econômica.”

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Algumas das 121 mortes ligadas a protestos antichavistas nos primeiros meses de 2017 foram creditadas por líderes opositores aos coletivos, que usavam motos e faziam disparos para o alto para dispersar a multidão. Schannon Losada, miliciana de 27 anos, diz que a função primordial do grupo “é só atemorizar”. “Os vizinhos mesmo nos chamam quando há algo errado”, sustenta a mulher, que como a maior parte de seus colegas tem passagem pelas Forças Armadas.

Em atos como o encerramento de campanha de Maduro, na quinta-feira, os milicianos em motocicletas são distribuídos em pontos de aglomeração. Não têm armas à mostra, mas carregam mochilas em que poderiam guardá-las. Comunicam-se por rádio. “Nossa função é neutralizar os sabotadores, que jogam dinheiro ou gritam que há saque em aglomerações. Detemos eles, fazemos com que falem quem os mandou e revisamos o celular para ver se há material contra a revolução”, diz Delgado.

A hiperinflação mudou o rol de prioridades das milícias. Elas são acionadas com frequência para reprimir os “bachaqueros”, apelido dos atravessadores que vendem produtos subsidiados pelo governo. “Quando os flagramos vendendo algo de 10 mil bolívares a 50 mil, damos ou revendemos por um preço simbólico, para que não digam que estamos nos aproveitando”, afirma Delgado.

A exemplo do que ocorre no Brasil, pesam denúncias de extorsão contra as milícias, consideradas pela oposição grupos paramilitares. A ex-procuradora venezuelana Luisa Ortega Díaz também as classificou assim quando ainda estava no cargo. A chavista dissidente fugiu em agosto da Venezuela.

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O coordenador da milícia Izquierda Unida, Félix Velázquez, disse ao Estado que os coletivos recebem contribuições de comerciantes e moradores para se financiar. “São voluntárias e de acordo com o tamanho do estabelecimento, por proteção. Às vezes, isso vem em comida, nem sempre em dinheiro. Também nos abastecemos do armamento que conseguimos nos confrontos com o narcotráfico ou criminosos comuns”, diz.

“Não recebemos dinheiro do Estado, como dizem. Colocamos ordem e regulamos serviços. Onde estão os coletivos, se evita a presença do narcotráfico”, alega o ex-guerrilheiro, membro da cúpula do Exército do Povo, espécie de associação de 17 milícias de 3 Estados que decidiram unir forças. Velázquez exalta o fato de seu grupo, em particular, ter estrutura em 16 dos 23 Estados do país. “Durante as eleições, fazemos propaganda, não somos só uma frente de choque. Já temos cinco prefeitos e dez deputados regionais.”

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Uma moradora de 55 anos do bairro de Catia, no oeste de Caracas, disse ter sido ameaçada com pistolas por mascarados duas vezes. “Ninguém pode protestar aqui, ou eles vão contra nossos filhos”, afirmou. Ela é militante do partido Vontade Popular, de Leopoldo López, impedido de concorrer à presidência e em prisão domiciliar. Os principais líderes antichavistas recomendaram um boicote à votação presidencial. A adesão dos eleitores de oposição a este chamado deve definir a votação.

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