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Golpe derruba governo civil do Sudão e protestos deixam 3 mortos

Militares prenderam o primeiro-ministro do país, Abdallah Hamdok, cujo paradeiro é desconhecido

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Por Redação
Atualização:

CARTUM - Militares do Sudão prenderam o primeiro-ministro do país, Abdallah Hamdok, e anunciaram a dissolução do governo nacional nesta segunda-feira, 25, em um movimento classificado pelo Ministério das Comunicações sudanês como um golpe militar completo. Outras lideranças civis do país foram presas e há relatos de pelo menos 3 civis mortos a tiros, além de 80 feridos, durante protestos.

Líder dos militares que se insurgiram contra o governo, o general Abdel Fattah al-Burhan fez um pronunciamento na TV estatal por volta do meio-dia (7h em Brasília), anunciando a dissolução do Conselho Soberano - que ele próprio dirigia - e do Conselho de Ministros para a formação de um governo "de pessoas competentes". Sem falar diretamente sobre a prisão de Hamdok e dos demais líderes civis depostos, al-Burhane afirmou que os militares se comprometiam com a democracia, inclusive com as eleições marcadas para 2023, e com os acordos internacionais firmados pelo país.

Sudaneses seguram a bandeira nacional durante uma manifestação na capital Cartum, após tentativa de golpe militar, nesta segunda-feira, 25. Foto: EFE/EPA/MOHAMMED ABU OBAID

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A tomada de poder ocorreu entre a noite de domingo e a madrugada desta segunda, quando grupos pró-democracia realizariam protestos em defesa da democracia e contra o golpe militar - que já se desenhava nos últimos dias. Uma tentativa golpista já havia ocorrido no mês passado e o Exército sudanês e forças paramilitares vinham restringindo o movimento de civis nas ruas da capital há dias. O aeroporto de Cartum chegou a ser fechado, e testemunhas também afirmaram que serviços de internet ficaram inativos.

Informações do Ministério das Comunicações do governo sudanês e do gabinete deposto afirmam que, inicialmente, o primeiro-ministro Abdallah Hamdok foi detido em prisão domiciliar, mas após se recusar a emitir uma declaração de apoio ao "novo regime", foi transferido para um local desconhecido, advertindo que toda a responsabilidade pela vida ou pela morte do premiê recairá sobre os militares.

General Abdel Fattah al-Burhan faz pronunciamento na TV estatal sudanesa após a prisão do primeiro-ministro Abdallah Hamdok. Foto: Sudan TV / AFP

Milhares de manifestantes saíram às ruas atendendo a um apelo do gabinete de Hamdok para "protestar utilizando todos os meios pacíficos possíveis" contra o golpe e a prisão do premiê. No encontro entre civis e militares houve violência - com disparos com munição real por parte do Exército, de acordo com o Ministério das Comunicações. O Comitê Central de Médicos do Sudão confirmou que três pessoas morreram e 80 ficaram feridas no confronto.

Além de Hamdok, foram presos sua mulher, pelo menos quatro ministros e todos os membros civis do Conselho Soberano - liderado por al-Burhane.

A mudança de poder ocorre poucos dias depois de o enviado especial dos Estados Unidos para região,Jeffrey Feltman, reunir-se com líderes militares do Sudão e advertir que o apoio americano ao país estava condicionado ao cumprimento pelos militares de seus compromissos de transição para o regime civil. Após a tomada de poder, Feltman disse que os EUA estão alarmados com a situação e alertou que a mudança viola a Declaração Constitucional do Sudão.

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Na tarde desta segunda-feira, 25, o Departamento de Estado dos EUA suspendeu uma ajuda de US$ 700 milhões ao Sudão. "O governo de transição liderado por civis deve ser restaurado imediatamente e representar a vontade do povo", disse o porta-voz do Departamento, Ned Price, a repórteres. "À luz desses acontecimentos, os Estados Unidos estão suspendendo a ajuda", acrescentou. O pacote era destinado à transição democrática sudanesa.

Primeiro-ministro do Sudão, Abdalla Hamdok, foi detido nesta segunda-feira e se recusou a assinar declaração em apoio a um regime militar Foto: AFP

Outros representantes da comunidade internacional se manifestaram sobre o golpe de Estado no país. O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, disse estar acompanhando com preocupação os acontecimentos no Sudão. "A União Europeia chama as partes interessadas e parceiros regionais a retomarem o processo de transição [no Sudão]", escreveu em sua conta pessoal no Twitter. O enviado da ONU ao Sudão, Volker Perthes, declarou que as detenções do premiê e demais líderes civis são inaceitáveis: "Peço às Forças Armadas que libertem imediatamente aos detidos".

Manifestante durante protesto contra um possível regime militar em Cartum, em 21 de outubro de 2021 Foto: Mohamed Nureldin Abdallah/REUTERS

O Sudão é governado por um conselho de transição civil militar desde a deposição do ex-presidente Omar al-Bashir, em 2019. O lado civil do governo, liderado pelo ex-economista Hamdok, havia estabelecido um prazo final para 17 de novembro para uma transição completa ao poder civil, intensificando as tensões pela repartição do poder no país. Divisões dentro das forças armadas também contribuíram para a instabilidade. No mês passado, elementos pró-Bashir dentro das forças armadas tentaram um golpe, mas foram contidos.

À medida que as tensões aumentavam ao longo do mês, grupos rebeldes e partidos políticos criaram uma coalizão a favor dos militares e pediram às Forças Armadas a dissolução do governo civil. Grupos pró-democracia denunciaram esse passo como o cenário para um golpe.

Na semana passada, ministros civis do governo de transição participaram de protestos em várias cidades do país contra a perspectiva de um regime militar. O chefe militar do conselho já havia afirmado seu compromisso com a transição. 

Al-Bashir assumiu o poder no Sudão por meio de um golpe em 1989. Ele foi deposto depois que a força militar não conseguiu encerrar quatro meses de protestos no país./ W. POST, NYT, REUTERS, AFP e EFE

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