Militares se adaptam ao fim da luta convencional

Guerra assimétrica exige preparo diferente, além de eliminar inimigo

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Por Patrícia Campos Mello
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O major Niel Smith teve formação de motorista de tanque no Exército. Ficou em uma base americana na Alemanha por seis anos, onde aprendeu, como todos, que eliminar o inimigo é o objetivo do soldado. Mas quando foi mandado para o Iraque, em 2007, encontrou uma guerra muito diferente: apertou o gatilho uma única vez em 200 dias. Smith passou o tempo tomando chá com xeques "inimigos" e reconstruindo escolas. Adaptar-se ao novo tipo de guerra assimétrica que está sendo travada no Iraque, Afeganistão e Paquistão é um dos maiores desafios das Forças Armadas dos EUA.Tratam-se de batalhas não-convencionais, onde vale mais prover a segurança da população local do que matar o inimigo - no caso, os insurgentes. Em Quantico, por exemplo, boa parte dos marines que está sendo treinada não esconde a decepção. "Muitos de meus alunos ficam frustrados em passar tanto tempo praticando posições defensivas, cavando trincheiras - sendo que eles não vão usar nada disso nem no Iraque, nem no Afeganistão", disse ao Estado um dos instrutores dos marines. Na contrainsurgência, ao contrário da guerra tradicional, trata-se de uma batalha pelo apoio da população local - na prática, é ela quem alimenta os insurgentes de informação, acesso a armas e recursos. Os EUA precisam ganhar a confiança da população local para que ela não apoie os insurgentes. Por isso, o Exército admite que, cada vez mais, estará fazendo mediação em vilarejos e consertando estradas, inclusive porque o Departamento de Estado e outras agências encarregadas de reconstrução têm infinitamente menos recursos do que o Pentágono. "Sabemos que é frustrante adaptar-se constantemente às mudanças no tipo do conflito", disse o major Philip Johndrow, do Centro Integrado do Exército. "Você treina para atuar na artilharia, chega no Iraque e fica trabalhando na estação de esgoto. No Afeganistão, é isso que vai acontecer." O último Manual de Campo do Exército americano, que é a principal doutrina dos militares, trata das "operações de estabilidade". Segundo o manual, escrito pelo general William Caldwell, comandante de Fort Leavenworth, as missões de reconstrução de nações vão se tornar mais importantes do que guerras convencionais, e as maiores ameaças à segurança dos EUA serão os "Estados frágeis", que abrigam terrorismo, crime e tensões étnicas e religiosas. Segundo a doutrina, os EUA não vão se envolver em conflitos diretos nos próximos anos e o trabalho do Exército será basicamente o de reconstrução e apoio em Estados frágeis. Críticos argumentam que isso só vai enfraquecer o poder de fogo do Exército, e que será difícil prever como será a próxima guerra que os EUA terão de enfrentar. Pode ser uma guerra convencional, e portanto não se pode abandonar as táticas clássicas. Além disso, questionam a habilidade do Exército para conduzir missões humanitárias e de reconstrução, e a excessiva militarização da política externa americana. Mas para Edward Cardon, vice-comandante do centro, o objetivo é formar oficiais que pensem de forma criativa. Antigamente, os oficiais estudavam detalhadamente os soviéticos e estilos de batalha e armamentos usados. Agora, não sabem quem será o próximo inimigo a enfrentar, qual será sua cultura, e a natureza da ameaça. Por isso, precisam ter flexibilidade. "É mais importante aprender a cultura do local aonde se está indo do que saber disparar uma arma", diz Cardon.

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