Militares voltam a atacar manifestantes no Cairo

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Cairo, 17 - Tropas do Exército do Egito atacaram manifestantes pró-democracia pelo segundo dia consecutivo na praça Tahrir, no Cairo. Manifestantes foram espancados com bastões e câmeras de jornalistas foram destruídas. Não há informações sobre mortes nos confrontos de hoje, mas ontem, nove manifestantes haviam sido mortos pelos soldados e cerca de 300 ficaram feridos, de acordo com o Ministério da Saúde.As cenas de violência indicam que os militares egípcios estão determinados a não permitir a transferência do poder aos civis, poucos meses depois da derrubada do regime do general Hosni Mubarak, que havia governado o país desde 1981. Imagens de televisão, fotografias e relatos de testemunhas mostram que as tropas intensificaram a violência contra os manifestantes.Vídeos mostram policiais militares espancando mulheres; testemunhas relataram que soldados aplicaram choques elétricos em manifestantes já detidos. A manifestante Mona Seif, detida brevemente na sexta-feira, disse ter visto um oficial dar uma série de tapas no rosto de uma idosa e exigir que ela pedisse desculpas por ter participado dos protestos. "Foi uma cena humilhante. Nunca vi nada parecido em minha vida", acrescentou.A escalada de violência começou poucos dias depois das primeiras etapas da primeira eleição parlamentar realizada depois da derrubada de Mubarak. Em novembro, a repressão a uma outra série de protestos havia deixado mais de 40 mortos, mas naquela ocasião tratava-se da polícia; nos confrontos iniciados nesta sexta-feira, quem está reprimindo os manifestantes é o próprio Exército.Entre os manifestantes mortos na sexta estava o respeitado xeque Emad Effat, 52, membro da Al-Azhar, a instituição religiosa muçulmana mais respeitada do Egito. Baleado no peito, ele foi sepultado neste sábado. Centenas de manifestantes participaram do funeral; depois disso, aos gritos de "retribuição, retribuição", eles caminharam em passeata até a praça Tahrir.Em volta da praça, as ruas que levam às sedes do Congresso e do governo pareciam zonas de guerra. Chamas podiam ser vistas no prédio da Sociedade Geográfica do Egito, que fica diante da praça; manifestantes atiraram bombas incendiárias no prédio porque tropas usavam o telhado para jogar pedras e bombas de gás contra os participantes do protesto.Em um hotel à beira da praça, soldados ameaçaram espancar uma funcionária para que ela revelasse em qual quarto havia uma equipe da rede Al-Jazeera filmando os conflitos. "A mulher chorava, gritava e dizia: ''Eu não sei''", disse um funcionário da rede. Os soldados descobriram a equipe da emissora e jogaram câmeras, baterias e equipamentos de iluminação na rua abaixo, atingindo um carrinho de um vendedor de batata-doce; parte do equipamento caiu sobre o fogareiro, iniciando mais um incêndio.Segundo o manifestante Islam Mohammed, soldados também atacaram uma enfermaria improvisada pelos manifestantes, jogando medicamentos e material de primeiros socorros por toda a calçada.Um jornalista egípcio que havia sido detido disse à Associated Press que foi levado a um anexo do Parlamento, situado junto à praça Tahrir, onde foi espancado. "Eles me insultaram, disseram: ''Vocês da imprensa são traidores, vocês são partidários e prejudicam nossa imagem''".O mesmo jornalista afirmou ter visto um grupo de homens e uma jovem sendo espancados; cada um deles foi cercado por seis ou sete soldados, alguns uniformizados, outros à paisana; os militares usaram barras de ferro e bastões elétricos. "O sangue cobria o chão, e um oficial ordenou aos soldados que limpassem", disse o jornalista, que pediu que seu nome não fosse revelado.Fotografias postadas por ativistas nas redes sociais mostram militares arrastando mulheres capturadas pelo cabelo e espancando idosas.Depois da derrubada de Mubarak, em fevereiro do ano passado, o poder foi assumido pelo Conselho Militar Supremo, que procurou ser visto como aliado do movimento popular vitorioso e guardião da democracia. Mas as tensões entre os militares e o movimento se intensificaram nos meses que se seguiram, em meio a exigências de transferência imediata do poder aos civis.Em comunicado divulgado hoje, os militares negaram ter atacado "os revolucionários do Egito" e afirmando que seu alvo eram "bandidos que haviam atirado bombas incendiárias perto da sede do governo". O primeiro-ministro interino, por sua vez, negou que os militares tivessem disparado contra os manifestantes na sexta-feira.Já o manifestante Mustaf Ali, que havia sido ferido a bala durante os confrontos de novembro, acusou os integrantes do Conselho Militar de instigarem a violência "para encontrar justificativas para permanecer no poder e dividir o povo em facções". (AE-AP)

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