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Missão dos EUA enfrenta armadilhas no Afeganistão

Em meio a emboscadas em terreno hostil, soldados cortejam aliança com colegas afegãos

Por Patrícia Campos Mello
Atualização:

Quando o capitão Luis "Ímã de Balas" Arriola subiu no veículo resistente a bombas MRAP os outros soldados brincaram: "Xi, o Ímã de Balas está vindo com a gente, melhor nem sairmos da base." Nas últimas vezes em que o capitão Arriola saiu em missão, os americanos foram atacados por insurgentes. Três semanas atrás foi uma bomba na estrada que fez o Humvee à sua frente capotar. Uma semana antes, eles foram alvo de uma granada. Patrícia Campos Mello faz o diário do conflito no Afeganistão em seu blog Na quinta-feira, o capitão Arriola, do 2º Batalhão da 77ª artilharia, era parte de um grupo de 28 soldados que se dirigia ao Centro do Exército Nacional afegão em Mangow, a cerca de 10 quilômetros da Base de Kala Gush. Há exatamente um ano, o centro - uma casa depenada com dez soldados afegãos dormindo no chão - foi atacado pelo Taleban. O comandante afegão, Mohamad Ishak, matou o líder local do Taleban e mais dois insurgentes. Um de seus homens morreu no ataque. Um ano depois, os americanos queriam demonstrar seu apoio aos afegãos. A missão era passar a noite de guarda no centro, além de levar sacos de areia para barreiras, arame farpado e munição. De quebra, a presença de três MRAPs e dois ASVs (veículos blindados) para intimidar o Taleban. O centro fica a apenas 7 quilômetros da fronteira com o Paquistão, no meio das montanhas da Província de Nuristão, no leste do Afeganistão. Os insurgentes atravessam as montanhas na fronteira paquistanesa, atacam, e fogem de volta para a terra de ninguém que é o oeste do Paquistão. Esse é um dos principais problemas enfrentados pelo Exército dos EUA no Afeganistão. O presidente dos EUA, Barack Obama, está enviando mais 21 mil soldados ao Afeganistão, elevando o efetivo americano no país para 68 mil até 2010. A maioria dos soldados foi para o sul, onde o Taleban está mais ativo. Mas com a ofensiva americana no sul e o aperto do Exército paquistanês, cresceu o número dos ataques no leste. Até agora, julho teve o maior número de mortes de soldados americanos desde o início da guerra - 31 baixas - e a maior parte delas ocorreu no leste. O número de bombas caseiras colocadas em estradas (IEDs) também vem aumentando na região. A estrada, aliás, é onde os americanos estão mais vulneráveis. Os MRAPs foram criados porque muitos estavam morrendo nos Humvees, que oferecem pouca proteção. Mas as estradas no Afeganistão são boas só para quem anda de burro. Para um MRAP de 3 metros de altura, são um perigo - ao menos um veículo capota a cada 72 horas, diz um comandante. Agora, o Pentágono está tentando adaptar os MRAPs para o país. Afinal, eles foram feitos para as estradas planas do Iraque. Dentro dos MRAPs, os soldados vão se falando pelo rádio. "Nightmare 6 (nome do pelotão), homem de preto às 9 horas em cima dessa construção..." "OK, estou de olho nele." "Cuidado, tem sete crianças à frente." "Olha, esse menorzinho parece o meu menino." "Quantos filhos você tem?" "Dois, a minha menor tem 9 meses, já está se arrastando naqueles andadores." Com as estradas horríveis e os veículos enormes, foi quase uma hora para chegar ao centro regional do Exército Nacional Afegão - uma casa sem janelas, cheia de marcas de tiros, com colchões no chão. Os afegãos receberam os americanos com uma refeição de luxo: mataram três frangos, ensoparam, e serviram com pão, que faz as vezes de colher. O comandante afegão abriu uma exceção e convidou a repórter para se sentar no chão com os homens e compartilhar da refeição - normalmente, uma mulher não comeria com eles. "De que tipo de ajuda você precisa?" perguntou o capitão Christopher Carpenter, comandante da companhia. "Preciso de mais munição e armas", disse o comandante Ishak. Os afegãos tinham as armas coladas com fita crepe vermelha, estavam sem capacete ou colete, e alguns fumavam haxixe. No centro do Exército afegão, a única iluminação é uma lâmpada acoplada a uma bateria de carro. Não há banheiro, apenas um buraco no chão de terra. A cachorra Bedar, "sempre alerta" em dari, fazia a alegria dos soldados. Os americanos, enquanto isso, ficavam o tempo todo com sua parafernália - capacete, óculos de visão noturna, etc. Também fazia parte da missão um soldado à paisana, que faz o elo com os afegãos: um militar treinado na língua local e costumes, que usa barba e lenço típico afegãos. Depois de muito chá e conversa, alguns foram dormir no teto e outros ficaram de guarda, com seus óculos de visão noturna, que dão uma visão semelhante a filme de 3D, mas sem a noção de distância, por isso é comum os soldados tropeçarem. Tudo calmo. O dia amanheceu e os soldados lançaram um Raven (pequeno avião de reconhecimento) para ver se tudo estava tranquilo. "Eu dava a vida por um Starbucks, um café e um muffin", dizia um cabo. "Preciso muito de um banho", dizia o outro. Antes de ir embora, lançaram outro Raven. A equipe americana partiu às 5 horas. Não se sabe se, depois que os americanos forem embora, os taleban vão aproveitar para atacar em retaliação. É sempre arriscado trabalhar com as tropas estrangeiras. "As pessoas que atacam vêm das montanhas, o Taleban aproveita que acabou a neve e vem no verão", diz Ishak. Para ele, vai demorar muito até que os americanos possam deixar o país. "Ah, vai levar pelo menos uns dez anos para tudo ficar pacífico." Às 6 horas, o comboio americano cruzou o portão da Base Kala Gush são e salvo. Dessa vez, o "Ímã de Balas" não fez jus a seu apelido. Que bom.

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