EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Mobilização torna a Rússia uma potência militar disposta a impor seu desejo à força

Putin usa contra a Ucrânia a tática da 'dominância de escalada', que mobiliza forças militares desproporcionais em relação àquelas que o adversário é capaz (Ucrânia) ou se mostra disposto (Otan) a empregar 

PUBLICIDADE

Foto do author Lourival Sant'Anna
Atualização:

No dia 2 de agosto de 2008, a Rússia concluiu a retirada de tropas da Abkházia, região separatista pró-russa na Geórgia. Afinal, as tropas estavam lá só para reparar uma ferrovia, disseram os russos, negando a versão da Geórgia de que estavam preparando uma invasão. Cinco dias depois, o Exército russo invadiu a Geórgia a partir da Ossétia do Sul

PUBLICIDADE

Antes de invadir, o presidente Vladimir Putin incentivou os abkházios e ossétios a rejeitar a autonomia oferecida pelo governo georgiano e insistir na independência, e distribuiu passaportes para as duas minorias. O governo georgiano não aceitou a independência, e Putin ordenou a invasão a pretexto de proteger os cidadãos russos e os 3 mil militares da Rússia que integravam uma força de paz no país.

Putin tomou esse curso de ação depois que a Geórgia e a Ucrânia anunciaram o plano de entrar na Otan. A adesão de ambas é considerada fora de questão pela aliança desde então. 

Cidade de Gori, na Geórgia, após confrontos entre forças russas e georgianas em agosto de 2008 Foto: EFE

A invasão da Ucrânia, em 2014, foi motivada pela derrubada do presidente Viktor Yanukovich num levante popular, depois que ele voltou de uma reunião com Putin em Moscou anunciando que o país não entraria mais na União Europeia, e sim na Comunidade Econômica Eurasiática, liderada pela Rússia.

A Ucrânia não está mais perto da UE nem da Otan do que em 2008 ou 2014. Ao contrário. A Otan tem instalado mísseis de interceptação no Leste Europeu em resposta aos mísseis russos mirados para membros da aliança. Então, por que Putin está ameaçando com a ampliação da invasão da Ucrânia, para além dos 7% de território ucraniano já ocupado?

Publicidade

Putin usa contra a Ucrânia a tática da “dominância de escalada”. Consiste em mobilizar forças militares desproporcionais em relação àquelas que o adversário é capaz (Ucrânia) ou se mostra disposto (Otan) a empregar. 

A dominância dá ao país o poder de calibrar as tensões, com declarações em favor de negociações e movimentos de tropas simulando retiradas, alternadas por ameaças como a revisão do estado de prontidão do arsenal nuclear. Imagens fornecidas por empresas privadas de consultoria em inteligência de fonte aberta mostram que a Rússia está concentrando mais tropas e equipamentos.

O momento escolhido tem a ver com a decisão dos EUA – consumada pelas retiradas da Síria, Iraque e Afeganistão – de não participar de conflitos armados que não envolvam defesa própria ou de aliados. Isso garante o espaço para a dominância russa. Putin nem precisaria ordenar uma invasão em massa da Ucrânia para concluir esse movimento. A simples mobilização já tornou a Rússia uma potência militar disposta a impor seu desejo à força, e terá consequências sobre a doutrina da Otan.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.