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Modelo de guerra de dissidentes na Colômbia é contra 'políticos corruptos', diz analista

Para professor que representou academia nas negociações de paz em Havana, possibilidade de grupo dissidente se tornar nova Farc é 'escassa'

Por Renata Tranches
Atualização:

Entre os argumentos dos ex-líderes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) que anunciaram a volta às armas, há elementos importantes que precisam ser considerados, na opinião do coordenador do curso de Ciências Políticas da Universidade Nacional da Colômbia, Carlos Medina Gallego, para quem o governo já vinha dando sinais de não cumprimento do pacto.  “As possibilidades de que esse grupo se converta em uma organização tão importante como chegou a ser as Farc são realmente escassas”, afirmou Gallego, em entrevista ao Estado

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O professor, representante do mundo acadêmico nas negociações em Havana, explica que, de acordo com as declarações dos dissidentes, a luta armada proposta agora não é contra a população, mas contra forças públicas e políticas classificadas pelos rebeldes como “corruptas”. “Eles fizeram um chamado profundo para que o governo retome a implementação do acordo e execute as ações necessárias para mostrar ao mundo que o país está levando adiante esse pacto."  

O anúncio dos guerrilheiros é o fim do acordo de paz? 

Acredito que as declarações de Iván Márquez, juntamente com outros comandantes conhecidos do período de guerra, preocupam, mas não devemos ser alarmistas e decretar o fim do processo de paz. As declarações não significam que não esteja valendo mais o que foi decidido em Havana. 

Ex-líderes das Farc anunciam retorno à luta armada Foto: Photo by - / various sources / AFP)

Eles têm razão ao afirmar que o acordo estava sendo descumprido? 

Grande parte dos relatórios sobre o cumprimento do acordo mostra que o governo do presidente Iván Duque estava preocupado e simulando o cumprimento do pacto. Na realidade, os indicadores mostram o contrário. A missão de verificação das Nações Unidas, liderada por José Mujica e José Luis Rodríguez Zapatero (observadores do pacto), apresentaram em relatório cujos argumentos dão razão a essa dissidência, quando afirmam que o pacto não estava sendo cumprido.

Como fica agora o partido Farc?

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Esse anúncio é uma ruptura definitiva desse grupo com o novo partido político que se formou da antiga Farc, que está satisfeito com o resultado da negociação de paz. Os dissidentes deixam oficialmente de ser parte do partido.

O grupo será uma nova Farc? 

As possibilidades de que esse grupo se converta em uma organização tão importante como foram as Farc são realmente escassas.

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Por que? 

Primeiro, porque na carta de intenção os rebeldes defendem uma modalidade de guerra que não é contra a população, mas contra a força pública, fundamentalmente contra a classe política, que eles classificam como corrupta. Eles falam também que construirão um modelo de economia de guerra que centra sua atenção contra as economias ilegais e as empresas transnacionais, que minam os recursos do país, estabelecendo assim um relacionamento com empresários, agricultores e comerciantes, buscando um compromissos reais para com o desenvolvimento da vida social e econômica dos territórios. Eles também fazem uma ponderação da prática histórica de mais de 200 anos dos governos colombianos de não cumprirem acordos de paz. 

O sr. concorda? 

Tem um fundo de verdade e é necessário ponderar que eles fazem um chamado profundo ao governo para que retome a implementação do acordo e realmente execute os termos que indicam que ele está sendo cumprido. Essas ações são necessárias para mostrar ao mundo que o país está cumprindo esse acordo.

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Como deve ser a conduta do presidente Iván Duque? 

O presidente tem dois caminhos. O primeiro é abordar essa situação maneira negativa, ressaltando que os guerrilheiros não cumpriram o acordo. Mas é preciso lembrar que mais de 78% das pessoas que se desmobilizaram com o pacto estão nos espaços territoriais (da guerrilha) e participam da política. Somente cerca de 14% dos dissidentes estão retomando as armas. No segundo, ele precisa considerar que a sociedade terá de refletir sobre a maneira como ele vinha se comportando com relação ao acordo e evitar um novo ciclo de violência. 

Há o risco de um novo conflito civil? 

O modelo de guerra que os dissidentes propõem é completamente distinto, no qual se evita a confrontação com a polícia e com o Exército. Os sequestros e todas as ações militares poderão agora ser mais seletivos e direcionados a políticos corruptos e negligentes com o acordo. Para construir sua 'economia de guerra', os rebeldes deverão ter como alvos as atividades ilegais de mineração, narcotráfico e, com certeza, extorsão das empresas transnacionais.

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