Moradores do Golan lidam com inesperado protagonismo em eleição

Famílias ouvidas pelo ‘Estado’ esperam que a votação desta terça-feira e o fato de Trump ter reconhecido a região como parte de Israel – o que para elas já era inquestionável independentemente dessa decisão – atraiam mais investimentos

PUBLICIDADE

Foto do author Cristiano  Dias
Por Cristiano Dias
Atualização:

GOLAN - Quando Donald Trump assinou um decreto reconhecendo a soberania israelense sobre as Colinas do Golan, em março, transformou o território em tema das eleições de Israel. Mas o afago ao primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, que corre o risco de perder o cargo na votação desta terça-feira, mudou pouco o cotidiano de quem vive na última fronteira do país.

Monte Bental, na fronteira entre o Golan (anexado por Israel) e a Síria. Visitantes têm vista privilegiada do sul da Síria. Foto: Cristiano Dias / Estadão

PUBLICIDADE

Durante três dias, o Estado conversou com empresários, agricultores e líderes comunitários que vivem numa nesga de terra de 1.800 quilômetros quadrados – cerca de um terço do Distrito Federal –, imprensados entre o Mar da Galileia e a zona desmilitarizada sob o comando da ONU, na fronteira com a Síria

Em todos os relatos, a guerra civil no quintal do país vizinho é quase onipresente. O conflito deixou os moradores do Golan acostumados com o barulho de sirenes no meio da madrugada. Os abrigos antiaéreos estão sempre preparados. Até dois anos atrás, voavam pela fronteira o que eles chamam de “foguetes errantes”, disparos perdidos no fogo cruzado entre rebeldes sírios e tropas do presidente Bashar Assad

Um deles destruiu a bodega de vinhos que fica ao lado da fábrica de chocolate artesanal de Gyora Chepelinski, de 54 anos. “Passou perto”, disse o argentino, que toca a produção ao lado da mulher, Karina, no kibutz Ein Zivan, a cerca de três quilômetros da fronteira. 

Gyora Chepelinski, de 54 anos, judeu argentino que vive no kibutz Ein Zivan, nas Colinas do Golan Foto: Cristiano Dias/ESTADAO

De um ano para cá, porém, são os iranianos que descarregam a artilharia por cima das montanhas. Em maio do ano passado, uma chuva de 20 foguetes veio da Síria numa manhã de quinta-feira. Segundo o Exército israelense, os disparos foram obra da Força Quds, unidade de elite da Guarda Revolucionária do Irã. A maioria foi abatida no ar. Os que atravessaram caíram em áreas vazias. A retaliação foi um bombardeio que matou oito soldados iranianos, segundo Israel. “No auge da guerra civil, era barulho de bomba todo dia. Agora, está mais silencioso”, contou Chepelinski. 

A conclusão de quem ouve esses casos pela primeira vez é que a guerra na Síria é um tema central da eleição em Israel, pelo menos no Golan. Mas os moradores mostram um certo estoicismo e se comportam como pioneiros que ocupam a última fronteira do país, uma versão local dos bandeirantes brasileiros ou dos colonos americanos. 

“Aqui todo mundo serviu ao Exército e sabe o que fazer quando as sirenes tocam”, disse Chepelinski. Para ele, como para a maioria dos habitantes, importa pouco o decreto assinado em março por Trump, reconhecendo a soberania de Israel sobre o território conquistado na Guerra dos Seis Dias, em 1967. “Estamos aqui há 50 anos. O reconhecimento não muda nada o fato de que o Golan nunca deixará de ser parte de Israel.” 

Publicidade

O casal Chepelinski é de Buenos Aires. Karina representa a terceira geração de chocolateiros. Eles chegaram ao Golan em 2002, atropelados pelas crises argentinas e insatisfeitos com a asfixia da capital. Com eles, vieram os dois filhos, Uriel e Abi. Chepelinski conta que já conhecia o lugar e veio pelo ar bucólico das montanhas. “Isto aqui me lembra Bariloche”, disse.

Quem também caiu de amores pelo Golan foi o paulistano Natan Gelernter, de 58 anos – há mais de 30 em Israel. Ele se casou com uma israelense, Anat, e teve quatro filhos: Idan, de 24 anos, Aviv, de 19, Gilad, de 17, e o caçula Tomer, de 12. A família vive em Olart, um kibutz à moda antiga, desses que ficam com a maior parte do salário, mas fornecem praticamente tudo: educação, saúde, comida, transporte, moradia. “É quase comunismo”, diz Natan, que não se arrependeu da escolha. “Meus filhos tiveram um educação espetacular. Só dá pena de não poder deixar patrimônio”, conta – até a casa em que mora pertence ao kibutz.

Chepelinski e Gelernter têm esperanças de que o reconhecimento dos EUA e a eleição desta terça atraiam mais investimentos para um território constantemente esquecido pelo governo israelense. “Não somos uma abstração”, disse Chepelinski. “Vivemos aqui, trabalhamos, criamos empregos. Não se pode mais pensar em reverter a questão da soberania. Não resta mais dúvida sobre quem tem ou não direito de viver no Golan.”

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.