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Morre Abimael Guzmán, fundador do Sendero Luminoso, no Peru

O responsável pela morte de milhares entre os anos 1980 e 1990 tinha 86 anos e estava em uma prisão de segurança máxima

Por Stephen Kinzer
Atualização:

LIMA - Abimael Guzmán, fundador e líder do movimento guerrilheiro peruano Sendero Luminoso, que espalhou o terror por boa parte do país nos anos 1980 e 90, morreu neste sábado, 11, no Peru aos 86 anos.

Guzmán morreu em uma prisão de segurança máxima na base naval de Callao, no Peru, onde cumpria uma sentença de prisão perpétua, de acordo com autoridades carcerárias. Foi anunciado que ele morreu de complicações de saúda, mas nenhuma causa exata foi apresentada.

Lìder do Sendero Luminoso morre em prisão no Peru; na imagem, ele está na cadeia após ser capturado em 1992 Foto: REUTERS/Anibal Solimano/File Photo

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Estima-se que 70.000 peruanos tenham sido mortos durante o auge da insurgência do Sendero Luminoso, que durou uma década, sendo pelo menos um terço deles vítimas dos guerrilheiros. O Sendero Luminoso defendia um reordenamento violento da sociedade, afastando-a dos vícios da vida urbana. Suas lideranças ecoavam o Khmer Rouge cambojano, com alertas de que “rios de sangue” correriam após sua vitória, com a previsão de até um milhão de peruanos executados.

O Sendero Luminoso foi quase inteiramente criado por Guzmán e, durante algum tempo, ele pareceu destinado a tomar o poder em um dos países mais importantes da América Latina. Seu movimento declaradamente maoísta foi um dos mais violentamente radicais da história moderna da região, e sua mente fértil e seus extraordinários poderes de persuasão lançaram os alicerces de um intenso culto à personalidade.

Como muitos de sua geração na América Latina, Guzmán se encantou com a vitória revolucionária de Fidel Castro em Cuba em 1959. Mas, posteriormente, passou a desprezar Castro, a União Soviética e até facções moderadas na China.

Guzmán visitou a China muitas vezes. Desenvolveu então a visão de um Peru sem dinheiro, bancos, indústria ou comércio exterior, onde todos seriam proprietários de terra e sobreviveriam do escambo.

Os dois principais partidos comunistas do Peru o expulsaram, mas ele conquistou uma devotada claque de estudantes e professores.

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“Era um líder muito carismático, com um estilo retórico rebuscado que fazias sucesso entre os estudantes", disse o cientista político David Scott Palmer em 2013. “Tornou-se tão forte em parte por causa dos seus 17 anos de preparo, e em parte porque erros do governo criaram condições favoráveis à revolução” (o professor Palmer, que como voluntário dos Peace Corps nos anos 60 dividiu uma sala com o então professor Guzmán na Universidade Nacional de San Agustín, morreu em 2018).

O Sendero Luminoso levou a cabo suas primeiras ações violentas nos anos 1980, incluindo atentados a bomba contra locais de votação e a tomada de prefeituras de vilarejos remotos. Certa manhã de dezembro, a população da capital, Lima, para ver cadáver de cães pendendo de dezenas de postes de luz. Ao redor do pescoço de cada animal havia um slogan ligado a disputas entre facções do Partido Comunista Chinês.

Foi o primeiro sinal da selvageria fantasmagórica que estava prestes a tomar o Peru. Chamando a sim mesmo de Presidente Gonzalo, Guzmán declarou-se a “quarta espada do comunismo", seguindo Marx, Lênin e Mao. Pregava o “Pensamento Gonzalo", que segundo ele traria ao mundo um “estágio superior do marxismo”.

“Quando o Sendero Luminoso pegou em armas, a tentativa parecia um plano fracassado de implantar a experiência chinesa na cultura peruana, totalmente diferente dela", escreveu o jornalista peruano Gustavo Gorriti. “Para a maioria dos peruanos, incluindo a esquerda democrática, o movimento parecia ser uma seita enlouquecida, totalmente divorciada da realidade.”

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Mas os combatentes de Guzmán travaram uma campanha militar de sucesso surpreendente e espetacular, assumindo o controle de parte considerável do país. Terrorismo e assassinato eram táticas muito empregadas. O conflito se espalhou das áreas rurais até Lima, onde o fornecimento de água, eletricidade e alimentos se tornou incerto.

Bombas explodiam em cinemas, restaurantes e delegacias de polícia. Sequestros eram frequentes. Anúncios eram afixados nas paredes alertando os civis para fugirem. Milhares o fizeram. A economia, já em mau estado graças à incompetência da liderança política, mergulhou no caos.

O Sendero Luminoso tentou encontrar uma base de apoio entre os indígenas, cujas necessidades há muito eram ignoradas pela elite peruana, ainda que muitos indígenas também se tornassem vítimas da insurgência. Parte da estratégia de Guzmán consistia em atrair o exército do país para sangrentas represálias, revelando suas “entranhas fascistas".

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A repressão militar foi de fato brutal. Soldados mataram muitos civis e aterrorizaram áreas indígenas, levando muitos a apoiarem os rebeldes.

Após muitos anos, o governo mudou de rumo. Algumas unidades abusivas foram afastadas, os soldados receberam treinamento mínimo a respeito dos direitos humanos e programas cívicos foram iniciados.

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Duas figuras associadas à campanha contra o Sendero Luminoso, o presidente Alberto Fujimori e seu diretor de inteligência, Vladimiro Montesinos, receberam posteriormente longas sentenças de prisão decorrentes de condenações por corrupção e envolvimento com esquadrões da morte.

No dia 12 de setembro de 1992, membros de uma unidade especial da polícia designada a rastrear lideranças do Sendero Luminoso fecharam o cerco a um lar em um bairro de classe média de Lima e capturaram Guzmán. Ele apareceu diante de um tribunal militar vestindo o uniforme listrado de prisioneiro. Juízes encapuzados o consideraram culpado de crimes de terrorismo e o sentenciaram à prisão perpétua.

Em 1993, Guzmán apareceu várias vezes na televisão peruana apelando aos combatentes do Sendero Luminoso para que depusessem suas armas. A maioria deles o fez, e a rebelião perdeu força.

Manuel Rubén Abimael Guzmán Reynoso nasceu no dia 3 de dezembro de 1934 na cidade de Mollendo, litoral sul do Peru. Seu pai, que teve seis filhos com três mulheres, ganhou o prêmio na loteria nacional e o enviou para um colégio católico e depois para a universidade.

Depois de se formar em direito e filosofia, Guzmán se tornou professor na Universidade Nacional de San Agustín, na cidade de Arequipa, nas montanhas. Tornou-se diretor do programa de formação de docentes, que atraía estudantes de vilarejos indígenas.

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Acredita-se que Guzmán não teve filhos. Quando jovem, casou-se com Augusta La Torre, filha de um líder do Partido Comunista de Ayacucho. Conhecida como “Camarada Norah", ela se tornou a número 2 na hierarquia do Sendero Luminoso. Morreu em 1988 sob circunstâncias misteriosas.

Em 2010, quando Guzmán tinha 75 anos, as autoridades lhe deram permissão para se casar com Elena Iparraguirre, que substituiu a Camarada Norah como segunda em comando do Sendero Luminoso e também cumpria sentença de prisão perpétua por condenações de terrorismo. Eles continuaram detidos em prisões separadas.

Guzmán recebeu um segundo julgamento, em tribunal civil, depois que o julgamento militar foi considerado inconstitucional. Em 2006 o tribunal o considerou culpado de terrorismo e homicídio doloso, confirmando a sentença de prisão perpétua. No julgamento, ele gritou aquelas que seriam suas últimas palavras em público.

“Vida longa ao Partido Comunista do Peru!” gritou ele, de punho erguido acima da cabeça. “Glória ao marxismo-leninismo-maoísmo! Glória ao povo peruano! Vida longa aos heróis da guerra popular!” / COLABORARAM JULIE TURKEWITZ, ELDA CANTÚ E MITRA TAJ, TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL 

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