Morre, aos 106, ex-secretária de Joseph Goebbels

Brunhilde Pomsel serviu ao chefe da propaganda dos nazistas e dizia só ter descoberto o Holocausto após o fim da 2ª Guerra

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Por Redação
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BERLIM - Brunhilde Pomsel, secretária do ministro de propaganda do nazismo, Joseph Goebbels, morreu na noite de sexta-feira, em sua casa em Munique, aos 106 anos. Recentemente, ela veio a público para refletir e admitir sua parcela de culpa pelo Holocausto. Sua morte foi confirmada por Roland Schrotthofer, diretor de A German Life (Uma vida alemã, em tradução livre), documentário feito a partir de dezenas de horas de entrevistas realizadas com Brunhilde quando ela tinha 103 anos.

Ela era uma das últimas integrantes do círculo mais restrito da hierarquia de comando do nazismo que ainda estava viva e passou a maior parte de sua vida, exceto pelos últimos anos, em total isolamento, só tornando-se conhecida depois da estreia do documentário em Nyon, na Suíça, em 2016. O filme ainda não foi lançado nos EUA e no Brasil.

Brunhilde Pomsel, ex-secretária do ministro de propaganda do nazismo, Joseph Goebbels,passou mais de sete décadas longe dos holofotes; ela morreu aos 106 anos Foto: Christof Stache /Agence France-Presse via Getty Images

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Dirigido por Schrotthofer, Christian Krönes, Olaf S. Müller e Florian Weigensamer, o documentário apresenta um retrato arrebatador de uma alemã comum arrastada para o aparato nazista ainda na sua juventude que passou mais de sete décadas refletindo sobre sua cumplicidade com os crimes cometidos pelo regime de Adolf Hitler.

Diante das câmeras, destaca-se a lucidez de Brunhilde apesar de sua avançada idade. Ela confessou ter mantido “um pouco culpa em sua consciência”, mas professou que não teve nenhuma conhecido do assassinato de 6 milhões de judeus durante o Holocausto - a “questão dos judeus”, como denominou - até depois de a guerra acabar.

“Tudo o que é bonito também está infectado”, disse ela no filme, sem encarar a câmera. “E o que é horrível também tem seu lado brilhante. Nada é preto e branco, sempre há um pouco de cinza em tudo.”

Nascida em Berlim, em 11 de janeiro de 1911, Brunhilde identificava em si mesma uma obediência que ela disse ter adquirido de seu pai, um veterano da 1.ª Guerra que introduziu nela através de espancamentos o que ela descreveu como “esta coisa prussiana, esse senso de dever”. Ao olhar para trás, descreveu com lamúrias a frivolidade de sua juventude e sua desatenção aos assuntos nacionais.

Em seus primeiros anos de trabalho, ela foi funcionária de uma loja de roupas administrada por um empresário e um advogado, ambos judeus, dos quais lembrou com carinho. Ao mesmo tempo, porém, já trabalhava para um ativista do Partido Nazista, transcrevendo suas memórias da 1.ª Guerra.

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Em 1933, por intermédio de seu empregador nazista, Brunhilde foi contratada como secretária na divisão de notícias da corporação de radiodifusão do governo alemão. O trabalho, que oferecia um salário invejável quando grande parte dos alemães viviam em condições difíceis, exigiu que ela se juntasse ao Partido Nazista. “Este foi meu destino. Quem tem controle sobre o destino?”, questionou. “Especialmente em tempos tão turbulentos.”

Em 1942 ela foi promovida e passou a trabalhar como assistentes de Goebbels, que como Ministro de Propaganda supervisionava todos os meios de comunicação da Alemanha, incluindo os jornais, as revistas, as rádios, livros, programas de entretenimento e manifestações. Ele era um dos membros mais educados da alta cúpula do nazismo, “mas também um dos mais radicais e virulentos antissemitas” dentro do regime, descreveu Steven Luckert, curador do Museu Memorial do Holocausto em Washington.

Trabalhando em um escritório bem localizado no centro de Berlim, Brunhilde cuidava de tarefas que incluíam os telefonemas para Goebbels, o registro de suas observações em reuniões e a organização de suas viagens, algumas das quais para se reunir com Hitler. Ela se lembrava de Goebbels como um homem urbano, com as mãos tão bem cuidadas que pareciam passar por manicure diariamente. “Mas não importa o quão elegante e bem ajustado que seus ternos eram, ele mancava”, disse, recordando pé torto do ministro. “Você sentia um pouco de pena por ele, que compensava sendo um pouco arrogante.”

Ela disse que Goebbels era frequentemente distante em interações pessoais mas furioso em aparências públicas - incluindo seu discurso no "Berlin Sportpalast" em fevereiro 1943, logo após a derrota alemã em Stalingrado, procurando revigorar o moral alemão e convocando todos para a “guerra total”. Brunhilde, que participou do evento, disse que ele se transformou de um homem de “elegância nobre” para um “anão furioso”.

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De forma geral, ela disse que apreciava seu trabalho no ministério. Ela conheceu a esposa de Goebbels, Magda, e seus seis filhos, que ocasionalmente visitavam o pai no escritório. Nos últimos dias da guerra, com a derrota nazista já inevitável, ela e outros funcionários do governo se abrigaram no porão do Ministério da Propaganda, onde se entorpeceram com álcool. Goebbels e sua família se instalaram no Führerbunker (abrigo do líder, em tradução livre), onde Hitler se suicidou em 30 de abril de 1945. No dia seguinte, Goebbels e sua esposa tiraram a própria vida. Seus filhos foram envenenados.

“Nunca perdoarei a Goebbels pelo que fez ao mundo ou pelo fato de ele ter assassinado seus filhos inocentes”, disse recentemente a um jornal alemão, de acordo com o London Independent.

Brunhilde e seus colegas renderam-se aos russos, que a fizeram prisioneira por cinco anos. Após sua libertação, ela trabalhou em rádios e emissoras de TV da Alemanha Ocidental até sua aposentadoria. Ela morava nos arredores de Munique, nunca se casou e não teve filhos. O documentário, disse ao The Guardian, “não era definitivamente para limpar minha consciência”.

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“Eu não fiz nada além de digitar no escritório de Goebbels”, disse ela no filme. “E eu não tinha ideia do que estava por trás de tudo aquilo. Não, eu não me consideraria como culpada. A menos que você acabe culpando toda a população alemã por permitir que o governo tivesse controle. Isso incluiria todos nós.”

Ela disse que tinha chegado a acreditar que “Deus não existe, mas que o diabo certamente existe”. “Não há justiça, no entanto. A justiça não existe”, acrescentou, enigmática. / WASHINGTON POST

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