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Morre Leopoldo Galtieri, ex-ditador argentino

Por Agencia Estado
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Imitador dos gestos histriônicos do ditador italiano Benito Mussolini, consumidor diário de vastas quantidades de "scotch", o ex-ditador e general Leopoldo Fortunato Galtieri faleceu às 4h15 desta madrugada, por causa de um devastador câncer de pâncreas. Galtieri, de 76 anos, estava em prisão domiciliar desde julho do ano passado, acusado de seqüestro de crianças durante a última Ditadura Militar (1976-83) e de tortura de um grupo de militantes do grupo de esquerda "Montoneros". Galtieri, como diversos ditadores latino-americanos, estudou na Escola das Américas, no Panamá. Logo depois do golpe de 1976, que derrubou Isabelita Perón, ocupou o comando do Segundo Exército, cuja base era a cidade de Rosario. Ali, implantou um regime de terror, instalando vários campos de detenção e tortura. Ambicioso, em 1981 deu um golpe dentro do golpe, e derrubou o ditador e general Roberto Viola. Egocêntrico, desfrutava das comparações físicas que eram feitas sobre ele em relação ao herói da Segunda Guerra Mundial, o general americano George S. Patton (1885-1945). Galtieri não perdia uma ocasião para aparecer diante da imprensa com seus melhores uniformes, com botas de cano alto e luvas de couro. Sempre que podia, realizava longas manobras militares. Mas, a administração do país não era fácil. A política econômica do regime ia de mal a pior, e pela primeira vez em anos, os sindicatos começaram uma série de protestos. No dia 30 de março, 40 mil pessoas marcharam em direção à Praça de Maio, na frente da Casa Rosada, onde realizaram um violento protesto para pedir o fim da ditadura. Galtieri percebeu que podia cair, e ativou o plano de invasão das Ilhas Malvinas, operação que garantiria o apoio fanático da população argentina. Um dia depois da invasão, em 3 de abril, Galtieri, enquanto acenava do balcão do palácio presidencial, era saudado freneticamente pelos argentinos, muitos dos quais haviam protestado contra ele menos de uma semana antes. Galtieri considerava que a primeira-ministra britânica Margareth Thatcher não passava de uma dona de casa com diversos problemas em seu país, e que não se animaria a uma aventura militar a milhares de quilômetros das principais bases militares do Reino Unido. Mas o general havia se enganado. A "dama de ferro" ordenou o rápido envio de tropas às Malvinas. Pouco tempo depois forças britânicas já estavam desembarcando no arquipélago. Galtieri havia se preparado mal para a guerra. Para poupar a casta militar, havia somente enviado recrutas sem treinamento para as Malvinas. Além disso, considerou que os Estados Unidos deixariam sozinho seu tradicional aliado na Otan para ficar ao lado do regime argentino, já que o general se considerava "o principal combatente contra o comunismo na América do Sul". Galtieri se enganou. Os EUA ficaram do lado britânico. A Argentina ia perdendo a guerra, mas o general, bêbado, desde seu balcão na Casa Rosada, com voz rouca, afirmava que estava ganhando. O ditador manteve esse discurso até um dia antes da assinatura da rendição, 14 de junho. Os argentinos, que Galtieri havia entusiasmado com a reconquista das Malvinas, ficaram furiosos com o general. Milhares de pessoas, que dias antes haviam-lhe gritado "vivas", agora estavam protestando contra o ditador, que passou a ser caricaturizado constantemente com um copo de whisky na mão. "Galtieri, borracho, mataste a los muchachos" (Galtieri, seu bêbado, você matou os rapazes) foi o grito mais ouvido durante dias, nos quais os argentinos enfrentaram a polícia na Praça de Maio. O beberrão general durou poucos dias. No dia 17, as forças armadas retiraram seu apoio, e colocaram em seu lugar o general Reynaldo Bignone, que começou imediatamente uma abertura política, que levou às eleições presidenciais de dezembro de 1983. Com a volta da democracia, Galtieri foi acusado pela Justiça, em 1985, de ter cometido pelo menos onze seqüestros, três torturas, oito situações de escravidão, dois seqüestros de menores e 242 casos de falsidade ideológica. Surpreendentemente, conseguiu ser absolvido. No entanto, outro processo, que o indicava como o responsável pela má condução da guerra das Malvinas, conseguiu que a Justiça determinasse uma condenação de doze anos em uma prisão militar. Mas, no final de 1989, o então presidente Carlos Menem (1989-99) assinou sua anistia. Galtieri mudou-se para o bairro de Villa Devoto, próximo à casa do astro de futebol Diego Armando Maradona. Galtieri continuou usufruindo de todas as comemorações anuais do Exército, às quais comparecia, embora sempre permanecendo de forma discreta, no fundo dos salões. Em meados dos anos 90, exigiu a aposentadoria de ex-presidente. Mas a Justiça declinou seu pedido, argumentando que o general havia tomado o cargo de forma não-constitucional. Na mesma época, declarou à revista Gente que não ser arrependia pela invasão às Malvinas. Em 1997, o juiz espanhol Baltasar Garzón ordenou sua captura internacional por "genocídio" e "terrorismo". A partir desse momento, Galtieri não pôde mais sair do país, sob o risco de ser detido pela Interpol. No ano passado, foi a vez da Justiça argentina, que o processou pelo seqüestro e desaparecimento de 18 integrantes do grupo de esquerda "Montoneros". Galtieri foi detido, mas, por ser septuagenário, teve direito à prisão domiciliar. Justiça na Terra Tati Almeida, uma das líderes da organização de defesa dos Direitos Humanos, as "Mães da Praça de Maio - Linha Fundadora", afirmou que Galtieri encontrará Justiça seja lá onde for. ?Mas, se bem acredito na Justiça Divina, continuaremos lutando para que pessoas como Galtieri sejam julgadas ainda na Terra?, disse. Almirante Coincidentemente, outro ex-repressor argentino está à beira da morte. Ele é o ex-almirante Emilio Massera, em estado de coma desde meados de dezembro. Massera ficou conhecido por ter administrado a Escola de Mecânica da Armada (ESMA), em plena capital argentina, onde foram torturadas 5 mil pessoas. Menos de 50 vítimas saíram vivas dali. Além disso, Massera tornou-se conhecido por criar uma imobiliária cujas casas e apartamentos eram imóveis roubados dos prisioneiros políticos, que eram vendidas com todo o mobiliário. O ex-almirante, que comportava-se como um verdadeiro ?Don Juan?, também costumava mandar assassinar os maridos de suas amantes, ou das mulheres pelas quais estava interessado.

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