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Morre rabino que anunciou liberdade em Buchenwald

Herschel Shacter permaneceu vários meses no campo de concentração, ajudando judeus sobreviventes

Por MARGALIT FOX
Atualização:

A fumaça ainda subia ao céu quando o veículo que levava o rabino Herschel Schacter cruzou os portões para entrar em Buchenwald, na Alemanha. Era 11 de abril de 1945 e o 3.º Exército do general George Patton havia libertado o campo de concentração uma hora antes apenas.Naquela manhã, quando soube que os tanques de Patton tinham chegado ao campo, Schacter - que morreu no Bronx, em Nova York, na quinta-feira, aos 95 anos, após uma carreira como um dos mais proeminentes rabinos ortodoxos modernos dos EUA - comandava um jipe com motorista. Ele deixou o quartel e partiu a toda velocidade para Buchenwald. No fim da tarde, quando o rabino cruzou os portões, tanques aliados tinham ocupado o campo. Mais tarde, ele contou que se recordava do ardor da fumaça em seus olhos, do cheiro de carne queimada e das centenas de cadáveres espalhados. Ele permaneceria durante vários meses em Buchenwald, atendendo sobreviventes, realizando serviços religiosos numa antiga sala de recreação nazista e, por fim, ajudando a reassentar milhares de judeus. Por seu trabalho, Schacter foi mencionado nominalmente, na sexta-feira, por Yisrael Meir Lau, o ex-grão rabino asquenaze, num encontro com o presidente Barack Obama em Yad Vashem, no Memorial do Holocausto de Israel. Em Buchenwald, naquele dia de abril, disse o rabino Schacter posteriormente, parecia não ter sobrado ninguém vivo. No campo, ele encontrou um tenente americano que conhecia o lugar. "Há judeus vivos por aqui?", o rabino lhe perguntou. Ele foi conduzido ao Kleine Lager, ou Campo Pequeno, um campo menor dentro do maior. Ali, em barracões imundos, homens estavam sobre tábuas de madeira bruta. Eles fitaram o rabino, com seu uniforme de capelão, com inconfundível terror. "A paz esteja convosco, judeus, vocês estão livres", gritou o rabino em ídiche. Ele correu de barracão em barracão, repetindo essas palavras. Alguns judeus que conseguiam andar foram se juntando a ele até se formar uma pequena multidão. Quando passava por um monte de cadáveres, o rabino Schacter teve a impressão de algo se mexendo. Aproximando-se, ele viu um menininho, o Prisioneiro 17.030, escondido aterrorizado atrás do monte. "Fiquei com medo dele", a criança se lembraria muito tempo depois numa entrevista a The New York Times. "Conhecia todos os uniformes da SS, da Gestapo e do Exército alemão, e, de repente, um novo tipo de uniforme. Eu pensei, 'um novo tipo de inimigo'." Com lágrimas correndo pela face, o rabino Schacter levantou o menino. "Qual é o seu nome, criança?", ele perguntou em ídiche. "Lulek", a criança respondeu. "Que idade você tem?", perguntou o rabino. "Que diferença faz?", disse Lulek, que tinha 7 anos. "Sou mais velho do que você, de todo modo." "Por que acha que é mais velho?", perguntou o rabino Schacter, sorrindo. "Porque você chora e ri como uma criança", respondeu Lulek. "Eu não rio faz muito tempo, e nem choro mais. Então, quem de nós é mais velho?" O rabino Schacter encontrou quase mil crianças órfãs em Buchenwald. Nas décadas seguintes, disse o rabino Schacter, ele permaneceu assombrado por seu período em Buchenwald e pela pergunta que os sobreviventes lhe fizeram enquanto ele percorria o campo naquele primeiro dia. "Eles me perguntavam várias vezes: 'Será que o mundo sabe o que acontece conosco?'", disse Schacter à Associated Press em 1981. "E eu pensava: 'Se meu pai não tivesse tomado o navio a tempo, eu também estaria aqui'." Schacter nasceu no Brooklyn em 10 de outubro de 1917, o caçula de dez filhos de pais que vieram da Polônia. Seu pai, Pincus, era um shoichet (o açougueiro ritual) de sétima geração; sua mãe, Miriam Schimmelman, era agente imobiliária. Schacter formou-se na Yeshiva University em Nova York em 1938; em 1941, recebeu ordenação na Yeshiva do rabino Joseph B. Soloveitchik, um fundador do movimento ortodoxo moderno. Ele se alistou no Exército como capelão em 1942. Depois da libertação de Buchenwald, ele passou cada dia ali distribuindo matzá, o pão ázimo (a libertação ocorreu apenas uma semana depois da Páscoa judaica); realizando serviços para o Shavuot, que celebra a revelação da Torá a Moisés no Monte Sinai, e conduzindo serviços noturnos na sexta-feira. Em um desses serviços, Lulek e seu irmão mais velho, Naftali, puderam dizer o Kadish (a oração para os mortos) por seus pais, judeus poloneses mortos pelos nazistas. Dispensado do Exército com a patente de capitão, o rabino Schacter tornou-se líder espiritual do Centro Judaico Mosholu, no Bronx, de 1947 até o centro fechar, em 1999. Morador do Bronx, Schacter deixou sua mulher, Pnina Gewirtz, com quem se casou em 1948; um filho, o rabino Jacob J. Schacter, que confirmou a morte de seu pai; uma filha, Miriam Schacter; quatro netos e oito bisnetos. E o que ocorreu com Lulek, o órfão que o rabino Schacter resgatou de Buchenwald? Lulek, que se estabeleceu na Palestina, é hoje o rabino Yisrael Meir Lau. Ele contou sua conversa de infância com o rabino Schacter num livro de memórias, publicado em inglês, em 2001, como Out of the Depths, foi o grão-rabino asquenaze de Israel de 1993 a 2003, e agora é o grão-rabino de Tel-Aviv. Na sexta-feira, quando o rabino Lau contou a Obama sobre seu resgate pelo rabino Schacter ele ainda não tinha conhecimento da morte de Schacter, ná véspera. "Para mim, ele estava vivo", disse o rabino Lau numa entrevista ao New York Times na segunda-feira. "Falo sobre ele com lágrimas nos olhos."

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