Morte de ativista é usada em eleição na Argentina 

Corpo do artesão Santiago Maldonado é identificado dois dias antes de votação para Congresso; oposição culpa polícia do governo Macri

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Foto do author Luciana Dyniewicz
Por Luciana Dyniewicz e Buenos Aires 
Atualização:

O corpo encontrado em um rio na Patagônia, na Argentina, na última terça-feira, foi identificado no início da noite de ontem como do ativista Santiago Maldonado, desaparecido desde agosto. O destino do artesão que protestava por indígenas mapuches dominou as discussões políticas que antecederam as eleições legislativas que ocorrerão neste domingo, 22. O irmão de Santiago, Sergio, foi quem reconheceu o cadáver, por meio das tatuagens.

+Caso de ativista desaparecido paralisa campanha eleitoral argentina Ativistas sociais acusam o governo do presidente Mauricio Macri de ter colocado o corpo no rio às vésperas da eleição, que renovará um terço do Senado e metade da Câmara. Santiago, que tinha 28 anos, havia desaparecido durante um ato organizado pelos mapuches por direito a terras no sul do país. Segundo o jornal Clarín, no governo há suspeitas de que os indígenas, envolvidos em uma disputa interna, colocaram o corpo no rio. 

Argentinos protestam em Buenos Aires pela morte de Santiago Maldonado Foto: Luciana Dyniewitz / Estadao

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Os índios dizem que Santiago foi espancado e detido pela Gendarmería (polícia militar federal ligada ao Ministério de Segurança) durante a dispersão do protesto e o corpo foi encontrado em um local que já havia sido alvo de buscas anteriormente.

O aparecimento do corpo fez com que se encerrasse a campanha eleitoral antecipadamente por “respeito” a Santiago. Apesar de o assunto não ter sido mencionado por políticos nos últimos dias, a ex-presidente Cristina Kirchner escreveu, na noite de quinta-feira, nas redes sociais, “respeito, reflexão, decisão, pela Argentina que merecemos”, em uma clara alusão ao caso. Cristina concorre a uma cadeira no Senado pela Província de Buenos Aires, a mais populosa, com quase 40% do eleitorado.

Mesmo não sendo candidato, Macri participou ativamente da campanha eleitoral para que seu partido possa ampliar a presença no Congresso, onde não tem maioria. Ele foi às ruas e pediu votos principalmente para Esteban Bullrich, ex-ministro de Educação, que perdeu por 0,21 ponto porcentual para Cristina Kirchner nas primárias das eleições, em agosto. 

Macri e a ministra de Segurança, Patricia Bullrich, eram o alvo de um protesto do aposentado Luis Carlos Osorio, de 70 anos, que aguardava o resultado da autópsia de Maldonado na tarde de ontem diante do necrotério. “Eles sabem que o corpo é de Maldonado, mas não querem dizer em razão das eleições”, afirmou, antes que a identificação fosse confirmada.

Apesar da troca de acusações de todos os lados, o reconhecimento do corpo não deve fazer com que os eleitores mudem seu voto na véspera da eleição, de acordo com o analista político, Jorge Giacobbe. “Esse assunto foi muito importante na classe política e comoveu a população, mas ele não teve capacidade de mudar votos.”

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O também analista político Sergio Berenztein também afirma que o caso foi “politizado”, mas que não teve impacto, pelo menos até agora, entre os eleitores. Segundo ele, os eleitores definiram seus votos de acordo com suas ideologias. Berenztein, porém, destacou que os indecisos, que são cerca de 8%, poderão decidir seus votos conforme surjam mais notícias sobre Maldonado. A principal questão é saber se o jovem foi assassinado ou morreu acidentalmente.

“Seria de mau gosto continuar (com a campanha)”, opinou, na tarde de ontem, a aposentada Mariana del Campo, de 62 anos, que passeava em uma praça em Buenos Aires, a duas quadras do local onde o corpo de Maldonado passava por autópsia. Para ela, que votará em Sergio Massa (terceiro colocado nas eleições presidenciais de 2015, que se coloca como uma alternativa a Macri e Cristina), porém, os partidários de Cristina usaram, nos últimos dois meses, o caso Maldonado para tentar conseguir votos. “Foram feitas acusações de que o governo Macri era responsável pelo desaparecimento.”

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A professora Marisol Cicchi, de 45 anos, parou ontem em frente ao necrotério onde estava o corpo de Maldonado para observar as homenagens que foram feitas no local – flores, velas, cartazes e fotos foram colocadas na porta do edifício. 

Segundo ela, o caso Maldonado sensibilizou a população argentina. “Nós já temos a história dos desaparecidos da ditadura, e agora somem com esse ativista. O governo Macri, apesar de não ser uma ditadura, tem muitas características que nos fazem lembrar desse período, como a repressão por parte da polícia.” Marisol votará em Cristina e afirmou que a aparição dos corpo dias antes das eleições “só pode ser uma jogada política”, mas não soube dizer quem seria o responsável por ela. 

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