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Movimento do governo intensifica tensão em regiões

Antecipação da votação final esvazia temporariamente protestos da oposição em departamentos mais ricos

Por Ruth Costas
Atualização:

A próxima sexta-feira era a data-limite para que a Assembléia Constituinte aprovasse a nova Constituição para "refundar o país". Líderes do Departamento (Estado) de Santa Cruz - o mais rico da Bolívia - pretendiam apresentar no dia seguinte um estatuto autonômico, declarando unilateralmente independência de La Paz em importantes questões tributárias e administrativas. A manobra do partido governista Movimento ao Socialismo (MAS) de antecipar a aprovação do projeto tirou o timing da oposição autonomista. O texto constitucional aprovado em Oruro ficou longe de ter sido forjado por um acordo, num contexto favorável. O governo acusa a oposição de tentar derrubar o presidente Evo Morales. A oposição diz que o governo está se tornando autoritário por influência do venezuelano Hugo Chávez e criando condições para um conflito armado no país. O risco cada vez mais alto, dizem especialistas, é o de que a tensão política faça multiplicar os episódios de violência como o que deixou três mortos em Sucre duas semanas atrás. Um dos países mais instáveis da América Latina, a Bolívia teve 6 presidentes nos últimos dez anos. Parte da instabilidade tem como causa a fragilidade das instituições e as injustiças sociais que marcam a história do país. Outra razão é o engajamento da população. Questões medianamente polêmicas, que no apático ambiente político brasileiro renderiam apenas uma conversa exaltada no bar, na Bolívia são discutidas com os vizinhos, logo com as organizações de bairro, associações profissionais, partidos e pronto: está armada a passeata com milhares de bolivianos furiosos empunhando cartazes, faixas e, não raro, pedras e paus. Dá para imaginar o potencial explosivo de decisões tão cruciais como a aprovação de uma Constituição ou de autonomias regionais. A nova Carta era um compromisso de campanha de Evo. Eleito em 2005 com a promessa de promover a inclusão social, ele conseguiu num primeiro momento reunir os setores até então marginalizados com a classe média e os empresários. Esse pacto social, porém, só durou até que as elites políticas e econômicas da Bolívia se dessem conta que o ex-líder cocaleiro estava de fato empenhado em fazer mudanças radicais. Por causa da falta de disposição dos dois lados em adotar posições mais flexíveis, em mais de um ano de trabalho, a Assembléia Constituinte, instalada em Sucre, não conseguiu aprovar um único artigo da nova Carta. Com o prazo para que ela fosse dissolvida se aproximando, a bancada governista resolveu aprovar o projeto a qualquer custo. No dia 24, 138 dos 255 parlamentares reuniram-se num colégio militar nas imediações de Sucre e, protegidos pelas forças de segurança oficiais e sem nenhum deputado opositor, eles aprovaram em primeira instância a nova Carta. Ontem, no auditório de uma universidade em Oruro, a história se repetiu, com o governo dando de ombros para a decisão dos deputados do maior partido da oposição de boicotar e considerar ilegal a sessão antecipada. "Aprovaremos a Carta com a participação da oposição ou não", havia alertado recentemente o vice-presidente, Álvaro García Linera. Os pontos mais polêmicos do projeto eram as reeleições indefinidas - acabou aprovado um artigo que permite uma única reeleição - e o reconhecimento da autonomia não só para os departamentos prósperos, mas também para os 36 povos indígenas originários do país, que poderão ter um sistema de Justiça próprio, por exemplo. A autonomia é uma demanda antiga das regiões do oriente boliviano, que têm economias promissoras baseada na agroindústria e extração de gás, mas estão descontentes com a falta de controle sobre seus recursos. Até 2006, os governadores desses departamentos nem sequer eram eleitos, mas indicados por La Paz. Agora, esses líderes regionais querem administrar suas próprias finanças, fazer obras públicas e definir o conteúdo de seu sistema educacional - algo que o texto constitucional aprovado ontem não estabelece de maneira clara. "Recebemos um mandato claro do povo de Santa Cruz para fazer esse estatuto e só a população poderá decidir se e como ele será aplicado", disse ao Estado o presidente da Assembléia Autonômica de Santa Cruz, Carlos Pablo Klinsky, que está elaborando o documento. A grande incógnita, no caso, será a reação do governo ao que pode ser considerado um ato de sedição. Segundo as elites políticas regionais, La Paz estaria se preparando para um estado de sítio. O presidente nega. Também se comenta que a população das regiões ricas estaria disposta a pegar em armas para defender a autonomia, mas há dúvidas sobre se essa resolução resistiria à primeira visão dos tanques do Exército entrando nas cidades.

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