Mudança confiável em Teerã

Após um sinal de moderação dos iranianos em eleição, a bola está com Washington

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Atualização:

Quando o mundo já havia perdido a esperança de alguma mudança significativa no Irã, a eleição presidencial no país provocou uma surpresa. Em vez de uma nova vitória conservadora, como em 2009, o candidato reformista Hassan Rohani, cuja campanha foi centrada na moderação e em relações construtivas com o mundo, obteve uma ampla maioria de votos no primeiro turno. Foi um repúdio aos anos Ahmadinejad e uma clara contestação da sociedade ao controle total da política iraniana pelos conservadores. O líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, e a Guarda Revolucionária decidiram não reverter o resultado das urnas, repetindo a debacle de 2009. São boas notícias em se tratando da política iraniana, mas hoje o que mais interessa para o Ocidente é o futuro do programa nuclear do Irã. Prevalece um otimismo cauteloso de que o apoio popular à moderação deverá traduzir-se em concessões, mas um acordo nuclear está longe de ser alcançado e essa surpresa eleitoral pode confundir a estratégia dos EUA no tocante ao Irã. Em primeiro lugar, ele conquistou o mandato popular, mas caberá a Khamenei a decisão final quanto ao programa nuclear. As contrapartes do Irã no bloco P5+1, composto por EUA, Grã-Bretanha, Rússia, China, França e Alemanha - gostariam de ver o intransigente negociador do Irã, Saeed Jalili, pelas costas. Mas mesmo se Rohani conseguir convencer o líder supremo a afastar seu protegido e favorito na última eleição, a posição do Irã quanto ao direito de manter um programa nuclear não deve mudar. O novo presidente está ciente dos riscos nas suas negociações com o P5+1. Em 2003, foi bastante criticado no Irã, acusado de trair os interesses nacionais quando, como responsável pela equipe negociadora, concordou com uma suspensão voluntária do enriquecimento de urânio. A concessão pretendia criar um clima de confiança para um acordo mais amplo, mas sua esperança transformou-se em derrota quando as conversações fracassaram em meio a alegações de que o Irã havia violado os protocolos da Agência Internacional de Energia Atômica. O líder supremo e seu círculo conservador concluíram que a suspensão fora interpretada como uma fraqueza e somente levaria a uma maior pressão internacional. Acusaram Rohani de colocar o Irã de joelhos. A imagem derrotista tornou-se uma mancha na reputação dos reformistas, ajudando os conservadores a reunir a força que levou Ahmadinejad ao poder em 2005. Ahmadinejad não perdeu tempo para reverter a suspensão. Em questão de dias, o Ocidente ofereceu ao país uma nova abertura diplomática, que incluía incentivos comerciais, a promessa de um acesso a longo prazo aos suprimentos nucleares e garantias de não agressão. O chefe de Rohani, o presidente Mohammad Khatami, queixou-se de que, em sua oferta, o Ocidente recompensara a resistência descarada de Ahmadinejad ao gesto dos reformistas. Como gato escaldado que tem medo de água fria, Rohani não se arriscará de novo a ser acusado de se indulgente com o Ocidente. Ele irá se aventurar a fazer concessões somente se tiver garantias de retornos tangíveis. Desta vez, exigirá mais dos EUA do que Ahmadinejad e Jalili - e eles receberam uma oferta de peças sobressalentes de aviões e, na última rodada de conversações, um abrandamento das sanções internacionais ao comércio de ouro e metais preciosos. Vai desejar uma redução de fato das sanções e a promessa de que o direito do Irã de enriquecer urânio será reconhecido. O dilema de Washington é que, como reformista, Rohani é um outsider, mais frágil do que Ahmadinejad para selar algum compromisso com o Ocidente, para um establishment conservador desconfiado. O seu mandato eleitoral lhe dá espaço de manobra, mas não o suficiente para protegê-lo contra uma reação negativa que acompanharia uma rejeição na mesa de negociação. Provavelmente, ele vai esperar por um sinal de disposição dos EUA a fazer concessões sérias antes de se arriscar a qualquer compromisso.Nos últimos oito anos, a política americana teve base mais na pressão - ameaças de guerra e sanções econômicas - do que em incentivos para mudar os cálculos iranianos. Continuar com essa estratégica será contraproducente. Não dará a Rohani pretexto para uma nova abordagem das conversações nucleares e pode prejudicar os reformistas no geral, ao mostrar que, na questão nuclear, sua atuação não é melhor do que a dos conservadores. Washington precisa entender que o seu sucesso ao reunir a comunidade internacional para isolar o Irã deveu-se em grande parte ao estilo bombástico de Ahmadinejad. Ao negar o Holocausto, defender que Israel fosse riscado do mapa e deliberadamente intensificar as tensões com o Ocidente, ficou fácil retratar o Irã como uma ameaça existencial a Israel e uma ameaça para a comunidade internacional. Será difícil para Washington insistir nesses mesmos argumentos quando o Irã elege um presidente que repudiou publicamente seu predecessor. A vitória de Rohani não significa uma mudança do regime. Mas é um elemento que muda toda a situação. Para tirar benefícios, Washington terá de propor um abrandamento das sanções em troca de o país acatar as demandas ocidentais: limitar o enriquecimento de urânio a 5% e enviar para fora do país seus estoques de urânio enriquecido a 20%. O Irã, em contrapartida, deseja um reconhecimento formal do seu direito de enriquecer urânio e a suspensão das ruinosas sanções sobre suas instituições financeiras e exportações de petróleo. Ahmadinejad é acusado no Irã de ter destruído a economia do país. Populismo, má administração e isolamento internacional se combinaram para colocar a economia iraniana numa espiral de queda. Entre 2009 e 2013, o crescimento real do PIB caiu de 4% para 0,4%, o desempregou atingiu 17% e a inflação foi a 22% - dados oficiais, que tendem a minimizar a gravidade da crise. Estima-se que 40% dos iranianos vivam abaixo da linha de pobreza. O governo Obama tem rejeitado a possibilidade de um abrandamento das sanções porque a pressão econômica contra o Irã é aprovada nos EUA, ao passo que concessões ao país não são. A Casa Branca até agora considera que uma diplomacia séria com o Irã é uma aposta arriscada, cujo fracasso custará muito caro. Obama não deseja um confronto com o Irã, mas manter as sanções econômicas sob o pretexto de avançar diplomaticamente tem sido uma estratégia falha. Ele tem a vantagem de ter sido a mesma estratégia adotada pelo governo Bush, o que significa que é difícil para os republicanos se oporem a ela. A vitória dos reformistas no Irã deve dar ao governo mais espaço de manobra. A sociedade americana agora estará mais aberta ao Irã e a eleição de Rohani deveria levar o Congresso a uma pausa quanto a novas sanções. Washington não precisa eliminar as sanções, mas mostrar que está disposto a debater essa possibilidade em troca de concessões do Irã. Isso vai provocar uma enorme mudança nas negociações envolvendo a questão nuclear. A bola está no campo de Washington.

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