Mugabe, a metamorfose de um revolucionário

Presidente do Zimbábue torna-se o homem mais odiado do continente

PUBLICIDADE

Foto do author Cristiano  Dias
Por Cristiano Dias
Atualização:

Em janeiro de 1980, 200 mil pessoas se juntaram no bairro negro de Highfield para ouvir o revolucionário Robert Mugabe que voltava do exílio. Naquele tempo, o Zimbábue se chamava Rodésia e a capital era conhecida como Salisbury. Com um discurso conciliador, ele prometeu tolerância racial para um povo que viveu 100 anos sob o colonialismo britânico e outros 15 debaixo do porrete do regime racista de Ian Smith. A promessa pôs Mugabe na lista de favoritos ao Prêmio Nobel da Paz e os diplomatas estrangeiros passaram a se referir ao Zimbábue como a "Suíça da África". O país exportava trigo, tinha boas estradas e o melhor sistema educacional do continente. Hoje, 30 anos depois, o arauto da esperança virou o homem mais odiado da África. Com uma inflação de 1 trilhão por cento ao ano e uma epidemia de cólera que já matou mil pessoas, muitos zimbabuanos estão comendo ratos para sobreviver em aldeias no interior. ?GUERRA BACTERIOLÓGICA? O ministro de Informação Sikhanyiso Ndlovu acusou o governo britânico de usar deliberadamente a cólera como arma de "guerra bacteriológica" para justificar uma invasão militar no Zimbábue, informou ontem o jornal governamental The Herald. A ruína do país se confunde com história de Mugabe. Assim como outros líderes africanos, ele é produto da lógica missionária européia. Filho de um carpinteiro e de uma professora de catecismo, ele cresceu em uma aldeia jesuíta e estudou em colégio católico. A educação rigorosa o manteve longe do cigarro e da bebida - até hoje. Na adolescência, a disciplina jesuítica lhe rendeu uma bolsa para estudar arte na Universidade Fort Hare, na África do Sul, onde foi apresentado ao marxismo e às idéias de Mahatma Gandhi, modelo dos nacionalistas africanos - mais tarde ele ainda receberia diplomas de administração, educação e direito, todos por correspondência. Mugabe deu aulas em Gana, onde foi contagiado pelo anticolonialismo dos anos 50. De volta à Rodésia, em 1960, ele se envolveu em partidos políticos negros, que se se tornaram guerrilhas depois que os brancos fizeram a independência, em 1965. A guerrilha rodesiana refletia a divisão do país. No sul, vivem os ndebeles, que são 25% da população. O norte é dominado pelos três quartos restantes de etnia shona, grupo do qual Mugabe tornou-se líder. Em 1986, a rivalidade foi a razão do massacre de 20 mil ndebeles por agentes do governo. Para analistas, a chance de ser julgado por genocídio em um tribunal internacional é a razão pela qual Mugabe não deixa o poder. Aos poucos, a lua-de-mel dele com o Zimbábue chegou ao fim. Para manter o regime de partido único, ele precisou construir uma base de poder, transformando o governo em um cabide de empregos onde a corrupção corre solta. O exemplo mais emblemático ocorreu em 1993, quando a empresa francesa Aéroport de Paris venceu a concorrência para construir o aeroporto de Harare. A licitação foi cancelada por Leo Mugabe, sobrinho do presidente, que entregou o projeto de US$ 80 milhões para uma firma do Chipre que pertencia a Hani Yamani, um milionário saudita - anos depois, Yamani disse que gastou US$ 3 milhões em suborno para membros do governo. Questionado sobre o caso, Mugabe disse que a corrupção era a chave para o controle do governo. Na prática, com o setor privado reduzido, a única fonte de renda da população passou a ser o Estado. Outra tática para se manter no poder é tirar uma carta da manga sempre que está ameaçado. Em 2000, ele incentivou a invasão de fazendas de agricultores brancos. As terras foram distribuídas entre aliados, a maioria da elite de Harare que não sabe o que fazer com as propriedades. A agricultura entrou em colapso, mas a culpa foi outra vez colocada nas costas do imperialismo europeu. O problema de Mugabe é que as terras acabaram e não há mais brancos para expulsar. Um quarto da população já deixou o país. "Ele está ficando sem opções", disse ao Estado Judy Smith-Höhn, do Instituto de Estudos de Segurança de Pretória, na África do Sul. Para ela, o regime de Mugabe desafia a lógica. "É incrível como ele se sustenta mesmo sem oferecer os serviços mais básicos."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.