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Musharraf se equilibra entre pressões de EUA e islâmicos

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Por Angela Perez
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O presidente do Paquistão, Pervez Musharraf, é o que se pode chamar de um sobrevivente. Escapou de duas tentativas de assassinato e continua na mira de extremistas que dariam tudo para matá-lo. Também sobrevive a uma pressão que poucos conseguiriam suportar: de um lado, a única superpotência da atualidade, os Estados Unidos; de outro, grande parte de mais de 1 bilhão de muçulmanos que, mesmo sem apoiar os fundamentalistas, não concorda com a atuação pró-Ocidente de Musharraf. Complicando sua posição, a Justiça vem impondo ao presidente derrotas sucessivas em sua disputa com a oposição, como a decisão de ontem de permitir a volta do ex-premiê Nawaz Sharif. O governo de George W. Bush tem interesses-chave em jogo no Paquistão, um aliado dos EUA em sua guerra contra o terrorismo e uma potência regional com armas nucleares que enfrenta uma pequena, mas perigosa, insurgência de forças nacionalistas no Baluchistão. Os EUA vêm pressionando Musharraf a agir com mais rigor nas áreas tribais, na fronteira com o Afeganistão, onde militantes do Taleban e da Al-Qaeda estariam se reagrupando. Funcionários americanos sugeriram que os EUA poderiam lançar ataques no Paquistão contra combatentes dos dois grupos, apesar de analistas advertirem sobre o risco de desestabilização política e aumento da militância. Para Alexis Debat, especialista em segurança e combate ao terrorismo do Nixon Center, as ameaças não passam de uma tática para pressionar o Paquistão a tomar alguma atitude contra os militantes na região tribal. "Os EUA acham que o Paquistão não está fazendo o suficiente, mas o nível de envolvimento que Washington quer poderia levar a uma guerra civil", disse Debat ao Estado. Muitos membros do Taleban e de outros grupos militantes no Afeganistão entraram no noroeste do Paquistão aproveitando-se de suas ligações históricas, culturais e tribais com essa área, apesar dos esforços do governo para impedi-los. "Os grupos militantes já tomaram o controle das áreas tribais e estabeleceram administrações paralelas que sistematicamente desafiam as ordens do governo", disse Farzana Shaikh, diretora do Departamento de Estudos do Paquistão no instituto britânico Chatham House. "Não é uma questão de estar disposto a intervir na região. O problema é que o governo paquistanês não tem capacidade militar para isso. O Paquistão enviou 80 mil soldados à região, sofreu grandes baixas nos confrontos com os militantes e suas freqüentes ofensivas não deram nenhum resultado", explicou Debat. O especialista acrescentou que o Exército paquistanês foi treinado para combater soldados indianos na Caxemira e não militantes que até mesmo as forças americanas e da Otan têm dificuldade para enfrentar. Ampliando a pressão sobre Musharraf, o Congresso americano aprovou no início do mês uma lei condicionando a liberação de ajuda ao Paquistão aos esforços para conter a Al-Qaeda e o Taleban em seu território. A lei não tem efeito sem a assinatura de Bush, mas mostra a crescente impaciência nos EUA com Musharraf. Para Shireen Mazari, diretora do Instituto de Estudos Estratégicos do Paquistão, Musharraf ou qualquer outro líder paquistanês deve lidar com a ameaça terrorista de um modo amplo e não apenas militar, como os EUA têm feito. "O governo deve lutar nas frentes política, econômica e militar simultaneamente, como vem tentando por meio de conversações para acordos com os líderes tribais. O objetivo é desvincular a população local dos combatentes e militantes estrangeiros", disse Shireen. "O modo como os EUA vêm combatendo o terrorismo após o 11/9 somente ampliou o espaço para os terroristas. Agora, ouvimos falar na Al-Qaeda da Europa ao Iraque." Pressionado a agir contra líderes religiosos que queriam impor a lei islâmica no país, Musharraf ordenou, em 10 de julho, um assalto à Mesquita Vermelha, em Islamabad, onde radicais islâmicos estavam entrincheirados. No entanto, o assalto - que terminou com a morte de mais de cem pessoas - levou ao rompimento de uma trégua com militantes no norte do país, que têm lançado ataques diários contra o Exército na Província da Fronteira Noroeste e nas áreas tribais. As próximas semanas serão cruciais para o general de 64 anos, que tentará ser reeleito para um segundo mandato pelo atual Parlamento antes de 15 de outubro. Musharraf enfrenta intensa pressão política das forças pró-democracia e dos opositores a sua aliança com os EUA. Para muitos paquistaneses, a transição de um governo militar para um civil já durou demais. Musharraf chegou ao poder em 1999 por meio de um golpe militar, prometendo trazer a "verdadeira" democracia ao Paquistão. Agora, quer ser reeleito, mas insiste em permanecer como chefe do Exército, algo que tem agravado a tensão no país. A Suprema Corte está avaliando medidas legais para impedir a participação de Musharraf na vida política enquanto permanecer como chefe do Exército. O tribunal sente-se mais independente e fortalecido após vencer, em julho, uma disputa-chave com Musharraf e reinstalar como seu presidente o juiz Iftikhar Chaudhry. Musharraf tinha suspendido Chaudhry em março, alegando "abuso de poder", o que provocou grandes protestos em todo o Paquistão. Tentando manter seu aliado-chave no comando do país, o governo Bush vem discretamente incentivando Musharraf a aceitar um acordo de divisão de poder com a ex-primeira-ministra Benazir Bhutto, que vive exilada em Londres. Benazir prometeu ajudar Musharraf a permanecer no poder e combater os militantes se ele abandonar a farda, retirar as acusações de corrupção que pesam contra ela e levantar a proibição de que ex-premiês que já cumpriram dois mandatos (como Benazir) possam voltar ao governo. Musharraf não se pronunciou sobre essas exigências. Mas, ironicamente, a antiga adversária pode ser sua salvação. FRASE Alexis Debat Analista do Nixon Center "Os EUA acham que o Paquistão não está fazendo o suficiente nas áreas tribais, mas o nível de envolvimento que Washington quer poderia levar o país a uma guerra civil"

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