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Mutilada angolana é eleita ''Miss Sobrevivente de Mina''

Concurso foi criado para denunciar legado da guerra

Por Ferdinando Casagrande
Atualização:

Luanda - Ela não leu O Pequeno Príncipe; nunca sonhou com a carreira de modelo e atriz. Quando os apresentadores do concurso anunciaram o resultado em Luanda, na noite de ontem, Augusta Urica, 31 anos, respirou fundo e levantou-se para receber das mãos da primeira-dama de Angola, Ana Paula dos Santos, a faixa de Miss Sobrevivente de Minas Terrestres 2008. Candidata pela Província de Luanda, Augusta acabara de vencer 17 outras mulheres, todas mutiladas como ela. Em sua primeira edição, o polêmico concurso foi idealizado por um diretor de teatro norueguês, Morten Traavik, que trabalha com mulheres vítimas de minas terrestres desde 2003. "Eu queria mostrar que elas não são vítimas; são sobreviventes e podem ser belas, apesar do acidente", explica Traavik. Sua idéia convenceu a Comissão Nacional Intersetorial de Desminagem e Assistência Humanitária (CNIDAH), órgão do governo angolano à frente do trabalho de retirada das minas deixadas por todo o país durante a guerra civil (1975 - 2002). "Fomos criticados, diziam que estaríamos expondo as candidatas", lembrou Madalena Neto, coordenadora da subcomissão de Assistência a Vítimas de Minas do CNIDAH. "Queríamos o contrário: elevar a auto-estima delas e chamar a atenção do mundo para o problema." Ao lado de Afeganistão e Camboja, Angola encabeça a lista dos países com maior quantidade de campos minados do mundo. Um relatório elaborado pela Ação de Minas da ONU no ano passado lista 3.266 áreas suspeitas em 1.968 comunidades nas 18 províncias. Ao todo, 2.367.779 pessoas - cerca de 20% da população angolana - vivem em risco. Em 2006, o CNIDAH registrou 125 acidentes. "Cerca de 40% deles envolvem mulheres que saem para trabalhar no campo e para buscar lenha", explica Madalena Neto. "O concurso é uma forma de alertar para o risco que elas correm." Como todas as outras candidatas, Augusta é uma mulher simples. Vivia numa vila na Província de Bié quando pisou numa mina, aos 12 anos. "Eu tinha saído para buscar água para minha família", lembra. "Só me lembro de ter voado, vi a fumaça subindo e desmaiei." Ela perdeu a perna direita e hoje caminha com o auxílio de uma prótese doada pelo governo. Augusta, como a maioria das concorrentes, não tem emprego. Ela trabalha numa creche como voluntária. Antes de saber que venceria, disse que seu sonho era ganhar para integrar projetos do governo que pudessem beneficiar outros mutilados. "Se eu vencer hoje à noite, estarão ganhando todos os sobreviventes de minas de Angola."

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