Na Hungria do ultraconservador Orbán, papa defende diversidade e imigração

Em visita curta a Budapeste, pontífice prega contra formas de autoritarismo, exalta inclusão de imigrantes e faz até referência à importância da separação de política e religião; premiê húngaro, populista de direita com forte apoio de católicos, tem agido contra minorias

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Por Redação
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BUDAPESTE - O papa Francisco usou sua passagem por Budapeste neste domingo, 12, para pedir a seus bispos que aceitassem a diversidade e mandar um recado ao primeiro-ministro Viktor Orbán, populista de direita que governa o país. O pontífice afirmou que Deus não é um ditador que silencia seus inimigos e que as raízes religiosas podem ser vitais para um país, mas também permitem a esse país que abra “seus braços para todos”.

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A visita de sete horas, uma conexão para celebrar a missa final que concluiu uma semana de conferências de eucaristia, foi a primeira viagem internacional de Francisco depois de se submeter a uma cirurgia no intestino em julho. 

Orbán retratou a si como defensor da Europa cristã, e fortaleceu seus elos com tradicionalistas na igreja, muitos dos quais são críticos de Francisco, preparando-se para as eleições marcadas para abril. Alguns na Igreja húngara temiam que Orbán explorasse a visita do papa para obter vantagens eleitorais. Eles dizem que seu governo essencialmente comprou a independência e o silêncio da Igreja com milhões de dólares em subsídios.

Encontro entre o papa (à esquerda) e Orbán (o terceiro sentado, a partir da direita) ocorreu em museu de Budapeste Foto: EFE/EPA/HUNGARIAN PRIME MINISTER PRESS OFFICE/ZOLTAN FISCHER

Francisco reuniu-se com Orbán e outras autoridades civis por 40 minutos em um salão do Museu de Belas Artes. O papa e seus principais assessores de política externa se sentaram sem máscaras a uma distância considerável de Orbán e do presidente da Hungria, Janos Ader.

A mídia húngara, sobre a qual o governo exerce grande influência, informou que Orbán, que já se referiu à entrada em massa de imigrantes na Europa em 2015 como “invasão”, entregou a Francisco uma cópia de uma carta enviada por um rei húngaro do século 13 ao papa da época. Na carta, o rei se queixava que seus apelos à Igreja por ajuda contra os exércitos mongóis tiveram como resposta apenas palavras vazias. O papa abordou a questão diretamente em sua reunião seguinte no museu com um grupo de bispos húngaros. “Seu país é um lugar onde pessoas de outras populações convivem há muito tempo”, disse ele. “Diferentes etnias, minorias, religiões e imigrantes transformaram este país em um ambiente multicultural.”

Francisco disse que, no começo, “a diversidade sempre causa um pouco de medo, pois coloca em risco a segurança adquirida e frustra a estabilidade alcançada”, mas acrescentou que seria uma grande oportunidade de estender a mão em um gesto de irmandade. “Diante da diversidade cultural, étnica, política e religiosa”, disse o papa, “podemos manifestar duas reações: fechar-nos em uma rígida defesa da nossa dita identidade, ou abrir-nos para conhecer o outro e cultivar juntos o sonho de uma sociedade fraternal”.

Nos comentários públicos de Francisco - na Praça dos Heróis, adjacente ao museu, ocupada por dezenas de milhares de pessoas, incluindo Orbán na primeira fileira - o papa pareceu abordar esses temas, ainda que em termos bíblicos e religiosos.

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Aparentando boa saúde depois de ter removido cerca de 33 centímetros do cólon no início de julho, Francisco, de 84 anos, falou do sentimento religioso, com o qual Orbán envolve boa parte do seu discurso político, dizendo que ele “não é apenas um convite à preservação das raízes, mas também uma mão que se estende a qualquer um”. Francisco também pareceu alertar contra a mistura entre religião e política. “Temos o lado de Deus e o lado do mundo”, disse ele. “A diferença não é entre os que são religiosos e os que não o são, e sim entre o verdadeiro Deus e o deus do ‘ego’. Como é grande a distância entre o Deus que reina em silêncio na cruz e o falso deus que queremos ver reinar, com o poder de silenciar nossos inimigos.”

Na viagem de avião de Roma a Budapeste, Francisco disse aos repórteres que estava feliz por voltar a viajar. “Se estou vivo, é porque vaso ruim não quebra”, brincou. Em Budapeste, andou no chamado papamóvel por avenidas ladeadas por uma multidão de fiéis agitando bandeiras. Quase ninguém usava máscara nas ruas, na praça ou nos bares e restaurantes da cidade, e todos estavam aglomerados.

Francisco fez pausas quando pôde. Quando se reuniu com lideranças cristãs e judaicas após a reunião com Orbán, explicou que faria seu discurso sentado. “Não sou mais um jovem de 15 anos”. Nesse discurso, ele se mostrou preocupado com “a ameaça do antissemitismo que espreita na Europa e em outros lugares”, e recorreu com frequência a suas imagens de pontes construídas e muros derrubados. Sob o comando de Orbán, a Hungria se vê cada vez mais isolada na Europa. Além de crítico à imigração, o governo adota uma linha homofóbica e estendeu controle sobre as universidades. 

Entre os cidadãos que acompanharam a visita estava o eslovaco de etnia húngara Balazs Nacy, de 23 anos. Ele disse acreditar que a breve estadia na Hungria equivaleria a “um recado político”. “Ele não concorda de fato com o que está acontecendo aqui na Hungria nem com as coisas que Orbán faz”, disse Nacy. “Dizem que é uma política cristã, mas não me parece muito cristão o comportamento deles aqui. O papa está mandando um recado.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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