Na Índia, campanha de vacinação começa a perder força e preocupa governo

Especialistas recomendam que governo do primeiro-ministro Narendra Mori insista na imunização

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Por Emily Schmall e Hari Kumar
Atualização:

NOVA DÉLHI - A crise do coronavírus na Índia, que há apenas sete meses matava milhares de pessoas por dia, foi contornada depois que as autoridades do país reformularam suas políticas e aceleraram fortemente o ritmo de vacinação. No entanto, agora que a Índia celebra a entrega do primeiro bilhão de doses - marca que parecia improvável até recentemente - especialistas em saúde pública fazem novo alerta: o bom resultado está perdendo força.

O ritmo de vacinação está desacelerando. Enquanto a temperatura cai em meio à mais importante temporada de festivais da Índia, a população está lotando mercados e hospedando amigos e parentes em casa - e sem uso de máscaras. E o governo, por sua vez, diz aos voluntários da campanha de vacinação que eles já não são mais necessários.

Especialistas temem desaceleração do ritmo de vacinação em meio àimportante temporada de festivais religiosos. Foto: AP Photo/Rajesh Kumar Singh

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"Agora não é hora de baixar a guarda", disse Namanjaya Khobragade, coordenador de um grupo de saúde na cidade de Jhakhand. “Muitas pessoas tomaram apenas a primeira dose da vacina. Não podemos deixá-las assim. Temos que aumentar a intensidade.”

O progresso indiano representa um passo importante em direção ao fim da crise sanitária global, além de significar uma vitória política importante para o primeiro-ministro, Narendra Mori, que foi bastante criticado ao falhar na preparação do país para uma segunda onda devastadora, que chegou à Índia no início de 2021.

Somente depois que o vírus matou dezenas de milhares de pessoas, o governo indiano investiu pesadamente na produção de vacinas e interrompeu a exportação do imunizante.

Devotos hindus se aglomeram durante ritual para o deus sol no rioYamuna. Foto: AP Photo/Rajesh Kumar Singh (11/11/2021)

Segundo os números oficiais, a média de infecções diárias caiu de 42 mil, há quatro meses, para cerca de 12 mil. As mortes também caíram pela metade, chegando a cerca de 400 por dia. Especialistas afirmam que as estatísticas sobre infecções e mortes se baseiam em uma contabilidade subestimada.

Normalidade

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Mesmo assim, a vida voltou ao normal em muitas partes da Índia. Os shoppings estão lotados, as estradas estão cheias e as crianças, que ficaram fora da escola desde março de 2020, voltaram às salas de aula este mês.

No entanto, com somente um quarto da sua vasta população totalmente vacinada, a Índia continua profundamente vulnerável. E a possibilidade de que apareça uma variante perigosa continua sendo uma preocupação.

Com e sem máscara, pessoas caminham por mercado aberto em Chennai, na Índia. Foto: EFE/EPA/IDREES MOHAMMED

O governo central parece reconhecer que a Índia perdeu o ritmo. Logo após voltar da COP26, a conferência sobre o clima realizada na Escócia, Modi liderou um encontro para tratar das regiões da Índia onde menos da metade da população está totalmente vacinada. “Agora estamos nos preparando para levar a campanha de vacinação para cada lar”, disse ele.

Uma certa complacência também contribuiu para a devastação provocada pela segunda onda. Em janeiro, com a Índia relatando números de casos comparáveis aos atuais, Modi declarou vitória sobre o coronavírus.

Encorajado por um modelo matemático equivocado mostrando que a pandemia havia praticamente terminado na Índia, o governo priorizou vacinas para profissionais de saúde e idosos mais propensos a morrer de covid-19.

Para os outros indianos, no entanto, o governo foi mais lento. O Instituto Serum da Índia, maior fabricante mundial de vacinas, reservou cem milhões de doses da vacina da AstraZeneca-Oxford para seu país em janeiro.

Linha de produção da vacina contra o novo coronavírus da AstraZeneca e Oxford, no Instituto Serum, em Pune, na Índia. Foto: Rafiq Maqbool/AP Photo

Naquele mês, o governo de Modi comprou apenas 11 milhões de doses - e exportou mais de cinco vezes esse total para lugares distantes, como o Caribe. “Houve um excesso de confiança de que a pandemia havia terminado na Índia”, diz K. Srinath Reddy, presidente da Fundação de Saúde Pública da Índia.

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Até que a segunda onda chegou. No pico, em maio, a Índia registrava mais de 400 mil novos casos por dia. A demanda por vacinas disparou. O governo de Modi criou então um sistema de precificação de vacinas para direcionar as doses para aqueles com maior necessidade.

No entanto, as cidades tiveram que lidar com suprimentos limitados, agravando a escassez. Em junho, cinco meses após o início da campanha nacional de vacinação, somente pouco mais de 3% da população havia sido vacinada.

Conhecimento

À medida que aumentavam as críticas dos partidos de oposição, Modi decidiu centralizar a aquisição e a distribuição de vacinas. O programa de vacinação da Índia mostrou o seu melhor, usando o know-how que fez das suas campanhas de vacinação contra a poliomielite e outras doenças um sucesso tão grande.

O governo gastou bilhões de dólares do Orçamento da Índia (o valor total não foi revelado) para um pagamento antecipado que permitiu ao Instituto Serum aumentar a produção para 220 milhões de doses por mês. 

Fez também acordo semelhante com a Bharat Biotech, outra fabricante indiana de vacinas. Com os suprimentos ajustados, o governo de Modi criou um exército de voluntários, incluindo forças paramilitares, professores e líderes religiosos.

O Instituto Serum diz que o governo comprou, no total, um bilhão de doses. Mais de três em quatro adultos receberam pelo menos uma dose. O governo está tão confiante de que, até o fim do ano, vacinará totalmente todos os adultos (cerca de 900 milhões de pessoas) que liberou a exportação de vacinas.

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Em uma reunião das maiores economias do mundo em Roma, em outubro, Modi disse que a Índia seria capaz de fornecer cinco bilhões de doses para o esforço global de vacinação em 2022. Essa pode até ser uma boa notícia para o mundo, mas, em casa, especialistas em saúde afirmam que o governo precisa ficar alerta. Os profissionais de saúde estão lutando para persuadir milhões de pessoas a tomarem a segunda dose da vacina.

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