
27 de novembro de 2011 | 03h05
"Nada mudou nesses nove meses", é uma das frases mais ouvidas na Praça Tahrir, o epicentro dos protestos, cujo nome significa "libertação". O grande embate esperado para essas eleições era entre conservadores islâmicos - representados pela bem organizada Irmandade Muçulmana, favorita na votação - e liberais seculares. Esse duelo vai ocorrer, mas acabou ficando em segundo plano - assim como a própria eleição - diante das manobras dos militares para garantir sua fatia de poder e privilégios, mantidos desde outra revolução, a de 1952, liderada pelo coronel Gamal Nasser, que pôs fim à monarquia.
Assim como em janeiro e fevereiro, islâmicos e seculares deixaram suas disputas de lado, na última semana, para enfrentar o inimigo comum, no que é considerado "o segundo tempo" da revolução. Um homem morreu ontem atropelado por um carro da polícia em um confronto em frente à sede do governo, pondo fim à trégua de dois dias e elevando o número de mortos para 42.
Há nuances que evidenciam a complexidade do sistema político que se vai conformando por trás da queda de braço entre militares, manifestantes, partidos e movimentos sociais que exigem a renúncia do Conselho Supremo das Forças Armadas.
Essa onda de protestos começou na sexta-feira retrasada, quando a Irmandade Muçulmana organizou uma manifestação na Praça Tahrir contra um esboço de Constituição elaborado pela junta militar. O texto, que circulou na imprensa, previa que a cúpula militar nomearia 80 dos 100 constituintes - esvaziando o Parlamento, a quem caberia indicá-los - e teria poder de veto sobre temas de seu interesse na elaboração da Carta.
Na manhã seguinte, a polícia invadiu a praça e queimou uma dúzia de tendas dos manifestantes. Foi a senha para que milhares de jovens liberais e salafistas (islâmicos mais radicais do que a Irmandade) ocupassem a praça.
Guiada pelo pragmatismo, a Irmandade abandonou as ruas, temerosa de que os protestos levassem ao cancelamento das eleições que ela tinha chances de vencer.
O confronto entre seculares e as Forças Armadas parece ter queimado uma ponte que vinha sendo cuidadosamente construída. Inspirados no modelo turco, liberais e militares imaginavam que as Forças Armadas poderiam servir de dique para a influência do islamismo sobre o Estado egípcio.
A ânsia com que os militares se agarraram ao poder nos últimos nove meses, mantendo e até ampliando sua participação nos negócios do governo e esboçando artigos constitucionais que blindavam o orçamento da Defesa da ingerência e fiscalização do governo e do Parlamento, ruiu a credibilidade que a instituição conquistara, ao recusar-se a reprimir as manifestações, em janeiro e fevereiro, e retirar o apoio a Mubarak, precipitando sua renúncia.
Encenação. A lua de mel dos revolucionários com o seu "Exército popular" deu lugar à amarga lembrança de que o marechal Mohamed Hussein Tantawi, chefe da junta militar, foi ministro da Defesa de Mubarak durante duas décadas. E autoridades militares e civis do regime anterior continuam ocupando postos-chave. A sensação de que os egípcios estão envolvidos em uma encenação, familiar no período de Mubarak (ex-oficial da Força Aérea), voltou com toda a força.
Esse sentimento tende a contaminar o processo eleitoral. Ao longo de décadas, os egípcios cansaram-se de ir às urnas para legitimar referendos e eleições fraudulentas - a última foi há um ano, para um Parlamento dissolvido pela revolução.
Antes dos protestos, Mubarak preparava seu filho Gamal para sucedê-lo em mais uma votação com cartas marcadas. Outra frase frequente ao longo da última semana na Praça Tahrir era: "As eleições não importam agora. O que importa é tirar os militares do poder".
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