Na Rússia, piada publicada na internet pode acabar nos tribunais

Segundo organização independente Agora, 43 pessoas foram condenadas por comentários que fizeram na web em 2017; embora Ministério das Telecomunicações tenha se declarado favorável à moderação da lei, nenhum projeto neste sentido é estudado

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Por Redação
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MOSCOU - Em 2015, Eduard Nikitin compartilhou nas redes sociais uma piada em que ironizava o que considerava ser um futuro pouco promissor de seu país. Agora, ele será julgamento por "extremismo" em razão de uma lei amplamente criticada por seus excessos.

O caso de Nikitin, um homem de 42 anos, desempregado e deficiente, é mais um entre as dezenas de processos abertos pela Justiça da Rússia nos últimos anos pelo que muitos consideram ser piadas inofensivas na internet.

Rússia abriu série de processos contra internautas por comentários e mensagens publicadas em redes sociais Foto: REUTERS/Gleb Garanich/Illustration

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Os opositores do presidente Vladimir Putin denunciam uma disposição consciente do Kremlin de forçar os russos a pensar duas vezes antes de divulgar sua opinião nas redes sociais, um dos últimos espaços em que os críticos do governo ainda não foram severamente reprimidos.

"Por uma piada inofensiva qualquer um que não esteja de acordo com as autoridades do nosso país deve se preocupar", disse o advogado de Nikitin, Maxim Kamakin. "Parece que no nosso país só os otimistas têm o direito de existir."

Caso absurdo

Em uma das publicações pelas quais Nikitin é processado, um pai explica em uma linguagem chula ao filho que nada mudará na Rússia. A outra é um desenho de um "vatnik", um termo que designa a origem de um vestido que foi usado durante o período soviético e é usado como um insulto para aquelas pessoas que, acredita-se, apoiam cegamente as autoridades.

O processo contra Nikitin, que ainda está em andamento, fez com que suas contas bancárias fossem congeladas, seu computador fosse temporariamente confiscado e ele fosse vetado de participar de atividades da oposição, segundo seu advogado.

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Acusado de "incitação ao ódio" e de "violação da dignidade humana", o russo pode ser condenado a até seis anos de prisão, apesar de a maior parte dos casos do tipo terminar com penas mais leves, uma multa ou trabalho comunitário.

"Jon Snow ressuscitou!"

Em Barnaul, na Sibéria, foram abertas diligências contra Daniil Markin, um estudante de 19 anos que compartilhou memes na internet, incluindo um do personagem Jon Snow, da saga "Game of Thrones".

Abaixo da imagem do personagem estava escrito "Jon Snow ressuscitou! De verdade, ele ressuscitou!", Uma paródia da histórica contada pelos crentes durante a Páscoa Ortodoxa e que fez com que ele seja julgado por "incitação ao ódio religioso".

Maria Motuznaia, outra moradora de Barnaul, de 23 anos, responde a um processo por "extremismo" em razão de imagens que ela tinha em sua página da rede social russa Vkontakte, similar ao Facebook.

Em uma delas aparecem duas crianças africanas com pratos vazios e com o texto: "O humor negro é como a comida, nem todo mundo tem o tempo todo".

"Muitas vezes, as ações das forças de segurança não correspondem claramente a uma ameaça em potencial e suas reações a publicações ou memes são muito duras e infundadas", afirmou em agosto a Mail.ru, dona da rede Vkontakte.

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Em empresa, propriedade do milionário Alisher Usmanov, pediu que a lei seja modificada e que seja concedida uma "anistia para os que foram injustamente condenados nestes casos".

Segundo a organização independente Agora, 43 pessoas foram condenadas na Rússia por publicações que fizeram na internet em 2017 - no ano anterior, foram 32.

"Perdeu a paciência"

Embora o Ministério das Telecomunicações da Rússia tenha se declarado favorável à moderação da lei, no momento nenhum projeto neste sentido é estudado.

"A principal ideia por trás dessa política é criar medo entre os internautas. O objetivo é dar a impressão de que as autoridades estão observando cada usuário", diz Sarkis Darbinian, advogado especializado em redes sociais.

"Muitos usuários têm medo de compartilhar suas opiniões. Se autocensuram e apagam o que em outra situação compartilhariam. Isso reduz o nível de liberdade de expressão na Rússia", completa.

Dmitri, um internauta de 21 anos de Ecaterimburgo, nos Urais, é um dos que alteraram seu comportamento, apagando publicações antigas.

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"Agora, há um verdadeiro medo: o Estado perdeu a paciência e pode te prender por ter dado um 'like' em qualquer coisa", explica o internauta. "Não quero ter problema deste tipo. Quero estar seguro." / AFP

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