PUBLICIDADE

Na Síria, EUA e Rússia abrem novo capítulo

Desde a Segunda Guerra Mundial, Washington e Moscou não ordenavam bombardeios sobre o mesmo país ao mesmo tempo

Por James Rosen e MCT
Atualização:

Pela primeira vez em 70 anos, bombardeiros americanos e russos voam no mesmo espaço aéreo. Resta saber se estão do mesmo lado, como na 2.ª Guerra. Embora aliados de Moscou tenham voado com aviões de fabricação russa em conflitos mais recentes, do Vietnã ao Iraque e ao Irã, a entrada direta da força aérea do Kremlin na guerra civil síria abre um novo capítulo nas relações russo-americanas. Esse capítulo começa com a decisão dos dois países de cooperarem para evitar o risco de colisões nos respectivos ataques aéreos, mas a história poderá desandar rapidamente, dado o apoio de Moscou ao governo sírio repressor que, segundo os EUA, deve renunciar. "De um lado, a Rússia declara sua intenção de combater o Estado Islâmico, e, do outro, apoia o regime de Bashar Assad", disse o secretário da Defesa americano, Ash Carter, horas depois do início das incursões russas. "Combater o EI sem buscar uma transição política paralela ameaça uma escalada da guerra civil na Síria - e com ela, o extremismo e a instabilidade com que Moscou afirma estar tão preocupada e determinada a acabar". Afirmando que há "uma contradição lógica na posição russa", Carter afirmou que não faz sentido que Moscou queira combater o EI apoiando ao mesmo tempo um regime que matou dezenas de milhares de pessoas e é odiado por grande parte da população síria. Dois dias após o presidente russo, Vladimir Putin, lembrar das forças aliadas na 2.ª Guerra ao pedir uma coalizão semelhante à formada contra Hitler, em oposição ao EI, seus compatriotas em Moscou e na Síria mostraram um comportamento e afirmações contraditórias, quando não confusas. O major-general Igor Koneshenkov, um porta-voz do Ministério da Defesa da Rússia, disse que as primeiras incursões de seu país na Síria tinham como alvo militantes do EI. "Hoje, aviões russos realizaram ataques precisos contra oito alvos do grupo terrorista EI no território da Síria", declarou. O Ministério da Defesa chegou a distribuir em redes sociais um vídeo supostamente mostrando explosões de bombas na Síria. O vídeo dizia que os ataques atingiram postos de comando do EI, centros de comunicações, depósitos de combustível e depósitos de munições em "ataques cirúrgicos". Mas a visão no solo sírio contrastava consideravelmente com as afirmações russas. Combatentes da oposição síria, entre eles alguns que puderam contar com o apoio de ataques aéreos americanos, informaram que não havia nenhum combatente do EI nas proximidades dos locais atingidos pelas bombas russas, aldeias e áreas agrícolas nos arredores de Homs, centro industrial na parte ocidental da Síria e a terceira maior cidade do país. As afirmações americanas também foram contraditórias. Carter criticou asperamente um general russo que esteve na embaixada americana na capital iraquiana, Bagdá, e informou aos diplomatas americanos que os bombardeios do seu país sobre a Síria começariam no prazo de uma hora. " Não é o tipo de comportamento profissional que esperaríamos dos militares russos", disse Carter. Ao mesmo tempo, o diretor do Pentágono revelou que os ataques não o surpreenderam, pois o Kremlin vinha sinalizando suas intenções havia semanas. Segundo Carter, os ataques aéreos russos na Síria não criarão problemas para as incursões lideradas pelos EUA. "Pretendemos continuar nossas operações aéreas sem quaisquer entraves", disse. Mas, embora divulguem seus esforços para treinar e equipar os sírios no combate ao EI, os Estados Unidos continuam excluindo voluntários que também querem combater Assad. Carter espera que Moscou e Washington deixem de lado as divergências e se unam pela causa comum que é a derrota dos islamistas radicais, assim como se uniram em torno da derrota dos nazistas. Depois de falar com o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, na semana passada, Carter afirmou na quarta-feira que orientou seus principais assessores a darem início a conversações no plano militar com seus colegas russos em reuniões pessoais nos próximos dias. Mas o chefe do Pentágono advertiu Moscou que não deve considerar a cooperação na questão da Síria como o sinal de uma política de conciliação americana em outras partes do mundo. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLAJAMES ROSEN É JORNALISTA DO MCT

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.