Na Venezuela, fome aumenta fidelidade ao chavismo

Governo de Nicolás Maduro usa comida subsidiada para garantir apoio da população e derrotar rivais nas eleições deste domingo

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Por Rodrigo Cavalheiro
Atualização:

Quem sai da estação de metrô em Petare, maior favela de Caracas, deduz que não falta comida na Venezuela. Bancas improvisadas com arroz, massa e farinha ganharam o espaço que há cinco anos era tomado por quinquilharias eletrônicas. Não há negócio melhor do que revender itens desviados das cestas subsidiadas por Nicolás Maduro, que amanhã busca a reeleição. O racionamento ampliou a influência do chavismo sobre quem depende da ajuda estatal.

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Ingrid Lara com a filha Isamar Padrón, em Petare, maior favela de Caracas Foto: Rodrigo Cavalheiro/ Estadão

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Os “bachaqueros”, apelido dos traficantes de comida, beneficiam-se da indústria da fome, oferecendo preços menores que o dos supermercados. A farinha de milho, base da alimentação local, por exemplo, está tabelada em 75 mil bolívares (US$ 0,10 pelo câmbio vigente, o do mercado negro). Nas bancas próximas ao metrô, custa 8 vezes mais. 

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A oposição acusa Maduro de ter revertido o desabastecimento de produtos básicos nos supermercados pensando na eleição. Há comida nas prateleiras e as filas se formam só quando chegam produtos tabelados. A maior parte do que está à mostra é inacessível para a maioria.

A eleição de amanhã tende a ser decidida pela participação. Enquanto opositores se dividem entre boicotar ou não o processo, Maduro tem duas ferramentas recentes para motivar seu eleitorado. A primeira são os Comitês Locais de Abastecimento e Produção (Clap), criados há dois anos. Eles organizam a distribuição a cada 21 dias das caixinhas com 16 produtos – apelidadas de Clap. Dizer que os moradores dependem deste pacote não é força de expressão. O salário mínimo, equivalente a US$ 3, não compra um quilo de carne (US$ 5). 

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Um dos lugares em que essa dependência é mais aguda é a comunidade José Félix Ribas, no miolo de Petare, lugar ao qual se chega após meia hora de carro em um labirinto de ruelas asfaltadas. A iluminação pública é feita com ligações clandestinas pelos moradores, que protegem cada lâmpada com “luminárias” de garrafas pet recortadas. 

Enquanto crianças brincam arrastando ladeira abaixo engradados plásticos puxados por cordas, mulheres fazem fila para recolher água de um cano rompido por moradores. O racionamento atinge indistintamente pobres e ricos na capital venezuelana.

Neste cenário, vive o venezuelano médio fiel a Maduro. Um deles é a aposentada Zulay Contreras, para quem a culpa de sua pensão não comprar um quilo de carne é do bloqueio externo denunciado pelo presidente. “Na Venezuela, estávamos muito mal acostumados. As pessoas chegavam a fazer um quilo de arroz em um dia. Eu não me queixo, preparo meia xícara para mim e para meu marido”, diz Zulay, envergonhada com a bagunça da cozinha diante do pedido para ver sua despensa. 

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A família dela é uma das 497 que recebem a caixa de papelão com alimentos a cada 3 semanas, na chamada zona 10 desta região do Petare. Os beneficiados pagam 25 mil bolívares (US$ 0,03) pelo pacote. Recebem farinha, azeite, maionese, lentilha, atum, açúcar e leite. 

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A oposição associa à distribuição ao carnê cubano de racionamento de alimentos. Embora admitam ter recebido treinamento em Cuba, líderes comunitários negam a inspiração. “Temos comida suficiente. O problema é que muitos moradores revendem o alimento e corrompem o sistema. Às vezes, a polícia bate na nossa casa porque nos acusam de desviar comida. A denúncia é de opositores, com finalidade política”, reclama Ingrid Sánchez Lobo, uma das líderes comunitárias.

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O uso político dos subsídios, além do controle pelo chavismo do Judiciário, do organismo eleitoral e do Legislativo, além da inabilitação dos principais opositores, levou parte da oposição a defender um boicote à votação de amanhã. Ingrid Lara, de 32 anos, votará. Enquanto amamenta Isamar Padrón, de 4 meses, com um vestido branco em que nas costas se lê “Maduro, Juntos”, ela explica que usará uma das vans colocadas à disposição pelo Estado. “Esse governo nos dá tudo que precisamos, não há por que mudar.”

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