Nacionalização da YPF põe empresários em alerta na Argentina

Setor privado teme mais expropriações; congelamento de preços impede maiores investimentos no país.

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Por Marcia Carmo
Atualização:

A decisão da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, de "expropriar" a petrolífera Repsol-YPF, de capital espanhol e argentino, gerou forte desconfiança no setor privado, que teme iniciativas semelhantes do governo em outros setores da economia. Em entrevista à BBC Brasil, o ex-secretário de Energia argentino, Daniel Montamat, disse que agora as empresas se perguntam sobre "quem poderá ser a próxima" a ser nacionalizada. Segundo os analistas, o temor se justifica porque muitas empresas privadas que prestam serviços públicos (muitas das quais já foram estatais) têm feito poucos investimentos no país. "O medo é que o governo use, então, o mesmo argumento, da falta de investimentos, como ocorreu com a YPF, para tomar a mesma iniciativa", disse Orlando Ferreres, da consultoria Ferreres e Associados. O baixo investimento seria consequência dos baixos lucros no país. Com as tarifas públicas congeladas (que muitos empresários dizem ser uma medida populista do governo), os preços e as margens de lucro acabam corroídos pela alta inflação. Investimentos estrangeiros Para o economista Marcelo Elizondo, da consultoria Desenvolvimento de Negócios Internacionais (DNI), a decisão de nacionalizar a Repsol-YPF é "equivocada" e "afetará a reputação da Argentina no exterior". Elizondo afirma que a manobra poderá desestimular "ainda mais" o desembarque de investimentos estrangeiros no país. "Provavelmente, a medida sobre a Repsol-YPF não afetará só a indústria do país, mas as relações comerciais da Argentina com outros países, especialmente da Europa", disse Elizondo. Em discurso realizado segunda-feira, em rede nacional de rádio e de televisão, ao anunciar a "recuperação" da petrolífera, a presidente Cristina Kirchner disse que o governo não vai "tolerar" a falta de investimentos no país. Cristina recordou que recentemente ocorreu um "apagão" telefônico, com celulares da empresa Telefônica, no país, e sugeriu que o governo está disposto a aumentar a presença na economia. Para Elizondo, a maior presença do estado está ocorrendo gradualmente, desde o inicio da era kirchnerista, a partir do governo do ex-presidente Nestor Kirchner (2003-2007), antecessor de sua esposa e viúva, Cristina Kirchner. "O governo já assumiu empresas estratégicas como Correo Argentino e Aerolíneas Argentinas, entre outras", recordou Elizondo. O Estado argentino avança em diferentes setores. Em 2009, o governo nacionalizou os direitos de transmissão dos jogos da primeira divisão do campeonato de futebol, antes transmitido apenas por TVs a cabo. Os jogos, agora, são transmitidos pela TV aberta. Apoio Quase ao mesmo tempo em que a presidente anunciava a expropriação da petrolífera, os interventores do governo entraram no edifício da empresa, no bairro de Puerto Madero, em Buenos Aires. Executivos argentinos e espanhóis contaram à imprensa local que tiveram "quinze minutos" para deixar suas salas e teriam perdido automaticamente, disseram, acesso aos seus e-mails. "Saímos pela porta dos fundos como se fossemos fugitivos. Nunca vimos nada assim antes", disseram. O projeto de lei da nacionalização começa a ser debatido nesta terça-feira no Congresso Nacional. Ao mesmo tempo, entrou em vigor na véspera o decreto da intervenção que durará trinta dias - prazo no qual o governo espera já ter aprovado o projeto no Congresso. A medida teve apoio de sindicatos de trabalhadores do setor de petróleo e recebeu forte respaldo dos governistas. Os setores mais à esquerda da oposição, como o liderado pelo deputado Fernando 'Pino' Solanas, do Projecto Sur, também respaldaram a decisão. Mas a expropriação também levantou críticas, como a do prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, uma das principais vozes da oposição. Segundo ele, a medida "só prejudica a imagem da Argentina no exterior". BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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