'Não há plano que aguente sem apoio de potências', diz Paulo Sérgio Pinheiro

Enviado da ONU, brasileiro voltou da Síria e diz que 'conflito ganha contornos dramáticos'

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Por Jamil Chade e correspondente em Genebra
Atualização:

GENEBRA - O diplomata brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro retornou da Síria, para onde foi enviado pela ONU, nesta terça-feira, 26. Ele é enfático ao descrever a situação no país: o conflito ganha contornos dramáticos, com a presença de grupos estrangeiros armados, fornecimento de armas e potências apoiando um ou outro lado. Na quarta-feira, Pinheiro apresentará à ONU suas conclusões sobre a situação no país.

 

Ele faz um alerta: enquanto as potências do Conselho de Segurança (CS) não chegarem a um acordo, não haverá fim nas mortes. A ONU já estima que o número de vítimas, após 16 meses de confrontos, ultrapasse 15 mil. Para Pinheiro, a falta de colaboração entre os cinco membros permanentes do CS criou obstáculos para a implementação do plano de mediação de Kofi Annan. Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida ao Estado na sede da ONU em Genebra.

 

estadão.com.br: Qual foi o objetivo da viagem à Damasco?

 

Paulo Sérgio Pinheiro: No ano passado, haviam feito um convite similar e não tive condições de ir. Aceitei agora porque já estamos por quase um ano fazendo investigações, mas sem ir a Síria. Montei um programa de visitas e muito do que pedi foi atendido nos dois dias que estive lá. Mantive longas reuniões com representantes do regime, que relataram perspectivas do governo e eu expliquei o nosso trabalho. Fui para convencer o governo de que não é só de nosso interesse que tenhamos acesso ao país. Mas deles mesmo, inclusive para ter sua perspectiva mostrada em nossos relatórios sobre a situação em Hula. Encontrei ainda com o presidente da comissão nacional que investiga os crimes, e com o patriarca ortodoxo sírios em Damasco.

 

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estadão.com.br: Qual a situação dos cristãos sírios diante do conflito?

 

Paulo Sérgio Pinheiro: Essa relação com os cristãos é sempre tensa. Nas 15 igrejas em Damasco, o patriarca me confirmou que não ocorreu nada ainda. Mas não é a mesma coisa em Homs. Atacaram uma igreja, a transformaram em centro de operações de grupos armados. Vi vídeos com cenas que pareciam da revolução espanhola, com militantes vestidos de padre, com crucifixo na mão. Algo bem estranho.

estadão.com.br: Mas até que ponto os grupos armados são responsáveis por mortes hoje?

Paulo Sérgio Pinheiro: Um dos encontros mais interessantes que tive foi com 20 famílias que tiveram maridos, pais e irmãos assassinados por grupos armados, por terem sido leais ao governo. Um deles foi morto porque o pai participou de repressão de Hafez Assad (pai de Bashar Assad). Outro foi morto porque é irmão de um funcionário público. Ou seja, não é apenas um conflito sectário.

 

estadão.com.br: Quem seriam os responsáveis por isso?

 

Paulo Sérgio Pinheiro: Os grupos armados.

 

estadão.com.br: Como fazer o cessar fogo de Annan ser implementado?

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Paulo Sérgio Pinheiro: Não há alternativa para o plano Annan. Se o plano não foi realizado, há uma ampla contribuição do governo. Grupos armados também contribuíram à sua maneira para não ir adiante. Mas é responsabilidade dos Estados-membros também, que não foram capazes de promover um efetiva colaboração. Se não houver uma cooperação total entre os cinco membros do Conselho de Segurança da ONU, não há plano que aguente.

 

Não é segredo que os interesses estão distribuídos no interior do Conselho. Mas também em outras alianças em relação a um lado ou a outro, com o conflito já com alto grau de internacionalização, por causa da presença e fornecimento de armas, não dá apenas para a missão cuidar disso.

 

Rússia e Estados Unidos precisam colaborar. Seria catastrófico o espiral da militarização. Não dá para fazer nada se há dezenas de mortes todos os dias. Estamos ainda compilando dados, pois haverá uma prestação de contas um dia. Mas, hoje, a exigência é acabar com as mortes.

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