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Não há saída fácil para o conflito sírio

Análise considera situação no país mais complicada do que a de outros levantes árabes

Por BBC Brasil
Atualização:

O editor-chefe do escritório da BBC no Oriente Médio, Paul Danahar, esteve recentemente na Síria onde viu uma população vivendo em estado de medo e desconfiança. Ele explica abaixo as dimensões do conflito e por que uma solução está se provando muito difícil. Veja a análise: A comunidade internacional passou muito tempo vendo o conflito sírio através do prisma de outros levantes árabes. O regime parecia apenas mais um dominó esperando para cair. O mundo enxergava então a crise em preto e branco.

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O conflito complicou-se e hoje tem inúmeros tons de cinza. Além do Exército e dos manifestantes surgiram elementos novos. A escala do levante pressiona o regime de Bashar al-Assad, que só confia em suas brigadas militares mais leais para enfrentar crises graves. O governo teme que ocorram deserções se eles pedirem aos soldados comuns que abram fogo contra civis. Mas não havia unidades de elite suficientes para combater os focos de combate e, em seguida, manter o terreno conquistado. Então, o governo criou as milícias, ou shabiha, para essa tarefa. Eles fizeram um alerta à comunidade muçulmana alauíta, que controla a maior parte do poder e as Forças Armadas e da qual o próprio Assad é integrante: "Esta não é uma revolução da Síria, é uma revolução (muçulmana) sunita. Fiquem do lado certo". O governo então armou as milícias. A maioria das pessoas que conheci na Síria acredita que, enquanto as milícias atuam em conjunto com o Exército para manter áreas conquistadas, elas também agem por conta própria para cometer assassinatos sectários ou resolver disputas locais. Algumas destas milícias decidiram que a melhor defesa é o assassinato. E de preferência, da comunidade vizinha. Profecia A situação não é mais simples do lado da oposição. Frustrada com a disposição do regime de atirar contra pessoas desarmadas e a relutância do mundo em intervir para impedir isso, alguns oposicionistas começaram uma luta militar paralela. Em alguns casos, eles descobriram que a ajuda que começaram a receber de fora vinha com condições. Diplomatas me disseram que, em pelo menos uma ocasião, isso levou outros países próximos a usarem sua influência sobre unidades militares oposicionistas para romper o cessar-fogo negociado pela ONU. É por este tipo de incidente que Kofi Annan pediu que o grupo de interlocutores que lidam com a resolução do conflito seja ampliado. Muito do que o governo sírio disse no princípio podia não ser verdade, mas é agora, como uma espécie de profecia que se cumpriu. Alguns extremistas islâmicos estão atuando na Síria, com a experiência de combate adquirida no Iraque. Eles não seguem uma liderança formal. Atuam mais como se pensassem: "Se você não é um deles, está contra eles". Damasco foi até bastante poupada nos últimos meses pela violência, mas agora é uma cidade que vive no limite. Grandes ataques com bombas em centros urbanos despertaram nas minorias o medo do surgimento de grupos extremistas religiosos e os levou a apoiar o governo. Outros se aproximaram da oposição, por causa da ascensão das milícias. Mesmo gente que já foi ligada ao regime teme ser suspeita aos olhos do serviço secreto. Todos temem uma batida na porta.

Neutralidade Um diplomata me disse que "esta é uma guerra de propaganda. Você não pode acreditar no que cada um lhe diz". É por isso que o papel da ONU é tão crucial já que, apesar das deficiências do seu mandato atual, o mundo precisa de um olhar neutro sobre o conflito. Na Líbia no ano passado uma resolução da ONU foi elaborada quase que totalmente com o relato de "testemunhas oculares", que afirmaram que o governo estava realizando bombardeios aéreos sobre a população. A alegação era falsa e isso criou mal-estar entre os membros do Conselho de Segurança, dificultando que o órgão adote agora uma posição sobre o conflito sírio. A missão da ONU na Síria faz um trabalho perigoso, mas considerado de pouca utilidade. Algumas embaixadas foram fechadas por razões de segurança. Alguns fecharam por causa da pressão em seus países, para parecer que estavam fazendo algo. Muitos ativistas em Damasco me disseram que esta medida revelou-se de pouca utilidade, porque agora eles não têm ninguém para dialogar. Esses governos também contam apenas com informações de segunda mão para moldar suas política. Iêmen A chamada "solução iemenita" é exemplo de como a situação é complicada. Muitos diplomatas a apontam como a melhor saída: substituir o presidente e transferir o poder para alguém de um escalão mais baixo e o problema estaria resolvido. Mas muitos partidários do regime defendem a substituição de Bashar Al-Assad por seu irmão, por considerar o presidente muito mole. Será que o mundo realmente quer esta mudança de comando? Por fim, qualquer solução deve lidar com os medos reais das comunidades minoritárias, e mais particularmente os alauítas, que compõe 12% da população. Cerca 30% da comunidade alauíta é relativamente rica, dominando a burocracia do país. O restante vive em favelas e sobrevive, em sua maior parte, por causa de seus empregos públicos. Se uma revolução busca Justiça, muitas destas pessoas devem perder o emprego. Mas o mundo já tentou uma "desbaathização" no Iraque (tirando de seus cargos membros do antigo regime) e foi um desastre. Por mais desconfortável que possa ser, a estrutura dessa sociedade deve ser preservada e a "Justiça" pode ter que esperar alguns anos. Essa sugestão provoca gritos de protesto de alguns membros da oposição. Mas interromper o diálogo custaria ainda mais vidas. As minorias precisam acreditar que têm um futuro em uma nova Síria. A oposição precisa se unificar e oferecer a estas pessoas uma razão para depor suas armas e convencê-los de que não estão em uma luta até a morte.

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