''Não vejo em Israel um esforço real pela paz. Eles não querem a paz''

Asma Assad, primeira-dama da Síria

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Por Adriana Carranca
Atualização:

A Síria não é uma monarquia, mas sua primeira-dama, Asma Al-Assad, está à altura da rainha Rania, da Jordânia. Cinco anos mais jovem, corpo esguio de 1,73m e cintura finíssima, ela poderia ser mais um enfeite a tiracolo nas viagens oficiais do presidente Bashar Assad. Mas Asma é formada em exatas, mestre em computação e fez carreira no mercado financeiro, antes de se casar. Aos 34 anos, três filhos, ela cumpre intensa agenda de encontros com líderes mundiais, nos quais não se furta em falar de política, economia e dos conflitos no Oriente Médio, papel impensado por suas antecessoras.Nascida e criada na Inglaterra, Asma faz parte de uma geração de primeiras-damas árabes que, educadas no exterior, sob costumes liberais e maior contato com o mundo, estão mudando a imagem da mulher muçulmana no mundo - ela é sunita e o marido da minoria alauita. Defesa das mulheres. É tão veemente na defesa por um papel maior das mulheres em áreas de domínio predominantemente masculino, que não esconde a preferência por uma presidenta para o Brasil. "Gostaria de ver no poder alguém influente, que desse continuidade à política atual e ao papel global que o Brasil assumiu sob Lula. Sendo mulher, tanto melhor", disse, em entrevista exclusiva ao Estado, na quinta-feira. Asma elogiou o acordo nuclear com o Irã, mediado por Brasil e Turquia. "Lula indicou ao mundo que o caminho do diálogo é possível." E defendeu a reforma no Conselho de Segurança da ONU para incluir o Brasil. "A Síria está 100% com o Brasil, pois o CS (formado por EUA, Grã-Bretanha, França, Rússia e China) não reflete mais a realidade do mundo", conclui, com voz mansa.Seu tom de voz só se altera quando o assunto é Israel. "Como se engajar em negociações com o invasor? Se tomassem sua casa, você aceitaria ceder tudo o que é seu, compartilhar as coisas, dividir o espaço com eles? Direitos são inegociáveis. A Síria está protegida por resolução da ONU. Primeiro, devolvam nossas terras e, depois, podemos conversar", diz a primeira-dama síria.A Síria reivindica as Colinas de Golan, ocupadas por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967. Além dos acordos comerciais, o casal Assad esteve no Brasil para pedir a ajuda do presidente Lula na retomada das negociações, encerradas com o ataque de tropas israelenses à Faixa de Gaza, entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009."O que está acontecendo em Gaza é o assassinato lento de 1,5 milhão de pessoas. Não falo de soldados, mas civis", diz a primeira-dama. "Num mundo obcecado por direitos humanos, as crianças palestinas não têm um copo de leite para tomar, um lugar segura para dormir. As mães de Gaza não têm escolas nem hospitais para levar os filhos. Essa rotina, que é o básico, não existe lá. Então, não vejo em Israel um esforço real pela paz. Eles não querem a paz."Discurso de líder. Asma fala com a propriedade de um líder, luxo impensável para uma mulher no sistema fechado e rígido do país, principalmente sob o regime de Hafez Assad, pai de Bashar. Raríssimas vezes a mãe dele aparecia em público com o marido, que morreu em 2000. Seu papel era restrito à vida familiar, quando muito aparecia em chás beneficentes.Ex-funcionária do Deutsche Bank e JP Morgan, Asma organiza conferências de executivas, representa a Síria em reuniões com bancos estrangeiros, dirige ONGs em áreas como microcrédito.Ao lado da mulher, sempre impecável num tailleur, pernas à mostra sobre um salto Christian Louboutin e bolsa Chanel (Asma foi eleita a mais elegante pela revista Elle deixando para trás as senhoras Sarkozy e Obama, em 2008), Bashar usa sempre o termo "nós". O casal dirige o próprio carro, vai a restaurantes e parques públicos com seus três filhos. A família Assad mora numa casa e não no palácio presidencial, reservado a reuniões. Embora a abertura política seja ainda uma promessa, o presidente sírio liberou a imprensa e a internet no país. Em seu perfil no Facebook, Asma aparece sozinha, sorridente num pretinho básico, e é fã do Pink Floyd. PARA LEMBRARNa semana passada, o presidente da Síria, Bashar Assad, fez um tour pela América Latina, passando por Venezuela, Cuba, Brasil e Argentina. Ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Assad acusou Israel de "ameaçar o Oriente Médio com suas armas nucleares" e de "cometer massacres" na Faixa de Gaza. O líder sírio também tentou estreitar laços com o Brasil, pediu um acordo de livre-comércio com o Mercosul e defendeu a participação brasileira na negociação de paz entre seu país e Israel. Para Damasco, o ponto central de qualquer acordo é a ocupação israelense, desde 1967, das Colinas do Golan.

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