Narcotráfico contra-ataca no México

Em resposta a programa antidrogas, traficantes mataram dez integrantes da cúpula da polícia em dois meses

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Por Ruth Costas
Atualização:

Há um ano e meio, o governo mexicano pôs em marcha um dos mais ambiciosos planos de combate ao narcotráfico da história do país enviando 30 mil soldados e policiais para os Estados em que a ação dos cartéis é intensa. Agora, os traficantes estão dando o troco. O czar antidrogas da polícia mexicana, Edgar Eusébio Millán, foi morto com dez tiros ao entrar em casa, num condomínio no centro da Cidade do México há pouco mais de uma semana. Foi a décima autoridade envolvida na cruzada contra o narcotráfico do presidente Felipe Calderón a ser morta em dois meses. Entre as baixas estão também o diretor do departamento de crime organizado da Agência Federal de investigações, Roberto Velasco, e o inspetor José Aristeo, diretor da área de Estado-Maior da Polícia Federal. "Calderón adotou uma estratégia com base em demonstrações de força e está se dando conta de que o crime organizado pode ser um adversário duro nesse quesito", disse ao Estado Erubiel Tirado, especialista em segurança da Universidade Ibero-Americana, na Cidade do México. "O contra-ataque não só está lançando dúvidas sobre a eficácia de sua política de segurança - um dos pilares da popularidade do presidente -, mas também sobre a capacidade das instituições mexicanas enfrentar esses cartéis." No total, cerca de 1.200 pessoas já morreram este ano em ajustes de contas entre grupos criminosos e na guerra com as forças oficiais. Ano passado, foram 2.794 mortos. Além disso, cada vez mais as ações dos narcotraficantes impressionam por sua audácia e crueldade. Em 2006, o país ficou chocado quando homens armados invadiram uma boate na cidade de Uruapán e lançaram cinco cabeças sobre a pista de dança. Desde então, decapitações, torturas e mutilações tornaram-se ainda mais freqüentes - bem como a mórbida prática de fixar mensagens nos corpos das vítimas com facas ou furadores de gelo. Uma comparação simples dá a medida da dificuldade em combater quem abastece o mercado mais lucrativo do planeta. Semana passada, após meses de discussão, a Câmara dos Representantes dos EUA aprovou a ajuda americana para o combate ao narcotráfico no México. Se o projeto passar pelo Senado, Calderón receberá US$ 400 milhões este ano em equipamentos, assessoria e treinamento no programa batizado pelo governo dos EUA de Iniciativa de Mérida, mas que muitos chamam de "Plano México" - alusão ao Plano Colômbia. Em novembro, em uma única apreensão, o governo mexicano confiscou 23,5 toneladas de cocaína, quantidade que permitiria ao cartel do Golfo ou ao de Sinaloa obter os mesmos US$ 400 milhões no mercado negro americano. Se Calderón nunca pensou em desistir de encarar tamanho desafio é porque, ao menos até agora, ele lhe tem rendido bons dividendos políticos. Eleito em 2006 com apenas 35,8% dos votos, ele subiu quase 30 pontos nas pesquisas de popularidade ao fazer da segurança sua prioridade. A ofensiva começou com o envio dos 30 mil homens para nove Estados problemáticos, entre eles Michoacán, Baixa Califórnia e o Triângulo Dourado, que inclui Sinaloa, Durango e Chihuahua. Também foram extraditados mais de 60 traficantes e afastados 282 oficiais da polícia federal, em uma tentativa de desmantelar as redes de cooperação com o crime. RESULTADOS Por enquanto, os resultados são tímidos. "As apreensões aumentaram 30% em um ano e alguns traficantes do segundo escalão foram capturados, mas não há sinais de que a violência começará a cair", disse José Maria Ramos, especialista em segurança do Colégio da Fronteira Norte, em Tijuana. Como já parece ser uma constante em muitos países que enfrentam o problema, sempre que o governo tenta fechar o cerco com o Exército e a polícia, o narconegócio se retrai aqui, para expandir-se ali. A droga passa de poucas para muitas mãos e se diversifica em suas rotas, mercados consumidores e técnicas de produção. No entanto, nunca - ou quase nunca - entra em franco declínio. "Paradoxalmente, as restrições à oferta acabam elevando o preço da cocaína e até ajudam os cartéis a obterem mais lucro", disse Arturo Arango, pesquisador do Instituto Cidadão de Estudos sobre a Insegurança. Para analistas, o contra-ataque dos traficantes é um sinal de que está na hora de Calderón fazer uma revisão estratégica de seu programa antidrogas. A idéia é que o uso da força não seja a única grande aposta, como tem sido até agora, com o polêmico envolvimento do Exército. "Será necessário um trabalho maior de prevenção da violência e fortalecimento das instituições em Estados vulneráveis", afirmou o criminalista Martín Gabriel Barrón, do Instituto Nacional de Ciências Penais. "Poderíamos investir em projetos sociais para oferecer alternativas aos jovens, por exemplo, ou programas para a recuperação de dependentes químicos, além de aumentar os esforços anticorrupção."

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