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Narcotráfico ou milícias, o que é pior para o México?

Grupos civis que tomaram a segurança no Estado de Michoacán indicam que não desarmarão seus 'vigilantes', reflexo da crise enfrentada por Peña Nieto

Por Raul Gallegos
Atualização:

Nueva Italia, uma cidade do estado de Michoacán, devastada pela guerra das drogas, no centro-oeste do México, foi tomada há uma semana por forças civis decididas a se opor ao narcotráfico. O fato revela a situação extremamente ruim do segundo país mais populoso da América Latina. A resposta à pergunta do título sugere que o governo mexicano, ao permitir que o país caia numa anarquia impossível de controlar, não compreende os riscos, sociais e econômicos em que está incorrendo.Um dia depois da ação das Forças de Autodefesa de Michoacán, o ministro do Interior, Miguel Ángel Osorio Chong, e outras autoridades montaram um show para a assinatura de um acordo de segurança com o governador assediado, que acabara de pedir ao governo federal o restabelecimento da ordem neste sofrido Estado. Logo depois, o jornal Reforma noticiou que o governo tinha enviado pelo menos 11 helicópteros e 70 agentes federais para a Michoacán para ajudar a desarmar os paramilitares.O colunista Sergio Sarmiento do Reforma disse, acrescentando uma dose saudável de ceticismo à notícia: "A assinatura de um acordo não solucionará o problema da falta de segurança". Ele acrescentou: "Quando o Estado está ausente, predomina a lei do mais forte." As forças paramilitares de Michoacán surgiram no início do ano passado em resposta ao cartel da droga que se intitula Cavaleiros Templários e há anos transforma a vida dos cidadãos de Michoacán num inferno. Entre outras coisas, a organização é conhecida por torturar, enforcar e executar suas vítimas e deixar recados ameaçadores ao lado de seus cadáveres. A anarquia descontrolada do Estado levou o bispo de Michoacán, Miguel Patino Velásquez, uma destacada personalidade que luta contra o crime, a defini-lo "um Estado falido". No ano passado, os 'vigilantes' teriam conseguido fazer recuar os templários e se estabelecer em pelo menos 70 comunidades e 25 municípios, no Estado. Em uma exibição quase cômica de ingenuidade, Osorio pediu ontem aos vigilantes que "voltem para os seus lugares de origem e retomem sua rotina diária". E acrescentou: "Nós os convidamos a dar sua ajuda às autoridades fornecendo informações que possam levar à captura dos delinquentes". Sugeriu então que os cidadãos utilizem um número de telefone gratuito para fazer denúncias anônimas. Reviravolta. A resposta da milícia indica o tipo de bandidos armados com os quais o governador está tratando. José Manuel Mireles Valverde, um médico e importante representante das forças paramilitares de Michoacán, inicialmente pareceu disposto a abandonar a luta. Então, mudou de ideia. Abandonou o plano de depor voluntariamente as armas em um vídeo que se tornou viral. O grupo estudará a possibilidade de depor as armas quando o governo "apresentar os sete principais líderes do crime organizado e restabelecer a lei em todo o Estado de Michoacán". Juan Pablo Becerra-Acosta, colunista do jornal Milenio, resumiu suas esperanças em relação a Michoacán num artigo: "Michoacán, queimou, queima e queimará muito mais". O mesmo pode ser dito provavelmente do México como um todo, enquanto a violência e a anarquia arruínam as perspectivas econômicas do país, afastando os investimentos estrangeiros mesmo depois de o México adotar uma série de reformas financeiras e políticas, no ano passado. Os investimentos estrangeiros diretos no país pouco mudaram durante a década passada, e agora seria fundamental o ingresso de dinheiro novo. As forças paramilitares do México são talvez inimigas mortais do mesmo cartel da droga acusado, no ano passado, do assassinato de um executivo de alto escalão da siderúrgica ArcelorMittal SA, importante investidora estrangeira no México. Mas o antigo ditado que diz que o inimigo dos meus inimigos é meu amigo não se aplica aqui. O analista político Ricardo Raphael, que escreve editoriais no jornal El Universal, disse que o país é uma marca que perdeu prestígio. Hoje, México é "sinônimo de insegurança, violência e corrupção. Nesta mesma ordem". Referências. O México não precisa de esquadrões da morte aplicando uma Justiça à margem da lei. Isso poderá agravar ainda mais a situação. Algumas forças paramilitares já foram vinculadas aos cartéis da droga. Grupos de vigilantes podem passar a executar ações criminosas, como aconteceu na Colômbia. Um editorial de El Tiempo, da Colômbia, fez na semana passada um alerta extremamente oportuno: "A ascensão dos grupos de justiça particulares é mais uma péssima notícia do México", afirmou o jornal. "Somente o monopólio estatal da força e um forte sistema de Justiça poderão contribuir para solucionar o problema da guerra em múltiplas frentes que está sendo travada por aquela grande nação." Ou, como El Universal disse em seu editorial na terça-feira: "A lei da selva não se justifica num Estado democrático." E perguntou: Quem está por trás dos grupos paramilitares? "Ninguém sabe. E esse é o problema." Um governo que interfere excessivamente pode inibir o crescimento econômico. Entretanto, o país precisa exatamente de uma resposta enérgica por parte do poder central quando as autoridades locais são incapazes de estabelecer a segurança básica dos cidadãos. Em um mundo ideal, o México não estaria travando uma guerra civil com o submundo em razão do apetite insaciável de drogas ilícitas do seu vizinho do norte. Mas como os líderes mexicanos não dão mostras de vontade política ou são incapazes de combater os grupos armados ilegais e os cartéis de droga promotores do caos, tal é a situação do México neste momento. Enquanto crime e violência continuarem sem o menor controle, o impulso econômico que motivou as reformas do ano passado correrá o risco de desaparecer. *Raul Gallegos é colunista.TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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