Nas eleições viciadas da Venezuela, Maduro mostra como reter o poder

Disputa eleitoral demonstrou como o governo venezuelano, apesar de impopular, consegue vencer excluindo e dividindo seus oponentes

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Por Isayen Herrera e Anatoly Kurmanaev
Atualização:

CARACAS, Venezuela — As eleições regionais da Venezuela, realizadas no último domingo, 21, tiveram os resultados distorcidos por uma disputa desigual, violência e impedimentos contra líderes da oposição, afirmaram observadores da União Europeia nesta terça-feira, 23. 

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Mas a mera presença de observadores internacionais independentes, inédita havia 15 anos em eleições venezuelanas, sublinhou quão profundamente o presidente Nicolás Maduro aferrou-se ao poder desde que assumiu o cargo, em 2013. 

Depois de anos de supressão da dissidência por meio da força e subversão dos vestígios das instituições democráticas da Venezuela, Maduro moldou um sistema político no qual não tem muito a temer em relação ao escrutínio internacional, pois compete com oponentes cuidadosamente calibrados, segundo analistas e lideranças da oposição.

O governo venezuelano demonstrou que impedir os líderes opositores mais proeminentes e populares de disputar cargos eletivos, dividir partidos de oposição, encorajar a apatia do eleitor e manter uma minoria leal, dependente dos favores do governo, lhe garante vitórias eleitorais sem ter de apelar para a fraude franca — mesmo com apoio popular mínimo. 

Disputa eleitoral demonstrou como o governo do presidente Nicolás Maduro, apesar de impopular, consegue vencer excluindo e dividindo seus oponentes Foto: Gaby Oraa/WP

O governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) venceu as disputas pelo governo de pelo menos 19 dos 23 Estados venezuelanos e também pelo comando das principais municipalidades, apesar de presidir um país com a economia destruída e ter apoio apenas de 15% dos cidadãos, segundo pesquisas de opinião. Um em cada cinco venezuelanos fugiu do país desde que Maduro assumiu o poder, e 95% dos venezuelanos que permanecem no país não ganham o suficiente para atender suas necessidades básicas, de acordo com um estudo conduzido pelas principais universidades venezuelanas. 

A vitória avassaladora do partido governista foi em grande medida auxiliada pelas divisões internas da oposição. Alguns líderes opositores boicotaram a votação, como fez a maioria deles em eleições recentes. Aqueles que decidiram participar dividiram votos com facções que fizeram pactos com Maduro ou adotaram linhas mais brandas de críticas ao presidente para tirar vantagem da liberalização econômica que seu governo permitiu nos anos recentes. 

A missão de observadores da UE declarou na terça-feira que não pode qualificar as eleições do domingo como livres ou justas, em parte por causa das vantagens injustas de que o partido governista se valeu e em razão de falhas relativas ao estado de direito. 

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“Há uma situação política aliada a uma grave situação socioeconômica que provocaram o êxodo de milhões de venezuelanos”, afirmou na terça-feira Jordi Cañas, representante do Parlamento Europeu na missão de observadores, durante entrevista coletiva na capital, Caracas. 

A missão, porém, constatou vários avanços democráticos nas eleições do domingo, chegando a qualificar o processo eletrônico de votação do país como “confiável”. 

Os Estados Unidos, que não reconhecem o governo de Maduro, qualificaram as eleições como profundamente fraudulentas, mas elogiaram os candidatos da oposição que decidiram participar para manter os poucos cargos democráticos que ainda detêm.

Nas seções de votação em Caracas, no domingo, muitos eleitores expressavam pouca confiança na honestidade das eleições, mas afirmavam que decidiram ir votar de qualquer maneira, em alguns casos porque consideram o voto sua última ferramenta de luta por mudança. 

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“Sei que todo o processo está controlado”, afirmou Blas Roa, de 55 anos, um marceneiro que vive em Caracas e votava pela primeira vez desde 2015. “Mas se eu não votar, não estou fazendo nada.” 

A maioria dos venezuelanos nem sequer se incomodou.

Somente 42% dos eleitores foram votar, o menor comparecimento às urnas em qualquer eleição que a oposição tenha participado nas últimas duas décadas. Após 20 anos de governo do PSUV, pouca gente no país ainda tem esperança de alguma mudança radical, colocando o foco, em vez disso, em aproveitar as novas liberdades econômicas para melhorar suas vidas precárias. 

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A apatia induzida pelo governo se mostrou, afinal, a maior arma de Maduro nas eleições, afirmou o líder opositor Freddy Superlano, que concorreu ao governo do Estado rural de Barinas, que já foi um dos principais redutos do PSUV, onde nasceu o fundador do partido, Hugo Chávez.

Na tarde da terça-feira, a disputa eleitoral em Barinas ainda não estava definida. 

O resultado teria sido diferente, afirmou Superlano, se as facções opositoras tivessem deixado de lado seus desentendimentos e organizado uma campanha coordenada.

“Não estávamos combatendo algum candidato, mas o poder do Estado”, afirmou ele pelo telefone, de Barinas. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO 

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