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Nas ruas de Gori, um retrato da destruição

Casas e carros queimados, moradores revoltados: após as bombas da aviação russa, quase nada sobrou

Foto do author Lourival Sant'Anna
Por Lourival Sant'Anna , GORI e GEÓRGIA
Atualização:

Dois caminhões do Exército da Geórgia chocados de frente um contra o outro, abandonados no meio da estrada. Tanques e blindados destruídos. Sucatas de automóveis. O cenário da entrada de Gori, 80 quilômetros a oeste de Tbilisi, a capital da Geórgia, dá uma noção da retirada desordenada dos militares georgianos, sob ataque russo. Uma fila de caminhões do Corpo de Bombeiros aguarda no acostamento o fim do bombardeio aéreo para entrar na cidade e apagar os incêndios nos prédios, a maioria residenciais. Ouça o relato do jornalista Lourival Sant?Anna, enviado especial à Geórgia Assista ao vídeo produzidopor Lourival Sant?Anna após o bombardeio russo na cidade de Gori, na Geórgia Acompanhe as últimas notícias sobre o confito no Cáucaso Muito pouca gente restou em Gori, cidade de 50 mil habitantes, abandonada depois dos intensos bombardeios dos últimos dias. Situada no centro da Geórgia, Gori era a grande base militar georgiana mais próxima da província separatista da Ossétia do Sul, apoiada pelos russos, distante a 30 km. No início da tarde de ontem, havia cerca de 30 pessoas nas ruas, perplexas com a destruição de suas casas e automóveis, além da morte de pelo menos 6 civis, incluindo uma criança. O cinegrafista holandês Stan Storimans, da rede de TV RTL, também está entre os mortos, e um repórter da mesma cadeia ficou ferido. Todos contaram que o bombardeio os pegou de surpresa. Não ouviram disparos de artilharia nem mesmo o barulho dos aviões. A primeira sensação foi a das bombas caindo. A artilharia georgiana havia disparado contra as posições russas na região na segunda-feira. "Que Exército?", perguntou irritado Emzari Maziashvili, dono de uma farmácia bem em frente à prefeitura, no centro da cidade, destruída pelo bombardeio. "Não existe Exército nenhum. Esses filhos da p... desapareceram. Só restaram 20 jovens nessa região", continuou o farmacêutico de 33 anos. "O restante são mulheres idosas. Ninguém estava atacando os russos. Eles simplesmente vieram e bombardearam." Elgudja Khabashvili, também de 33 anos, dono de uma loja vizinha à farmácia, desabafou: "Quero que esse governo se f..., porque nunca pensa no povo." O estado de ânimo dos habitantes de Gori é bem diverso do dos manifestantes que foram ontem às ruas de Tbilisi expressar apoio ao presidente Mikhail Saakashvili. "Os russos atacaram porque nosso presidente é um grande mentiroso", resumiu Misha Gogichaishvili, um agente aposentado da KGB, o antigo serviço secreto soviético. "Ele não é profissional. Prometeu coisas só para ser eleito e depois não cumpriu." Saakashvili foi eleito em 2004, após a Revolução Rosa, prometendo restaurar a soberania sobre a Ossétia do Sul e a Abkházia, que se proclamaram independentes no início dos anos 90. "Estamos muito bravos com ele", prosseguiu Gogichaishvili, enquanto os bombeiros apagavam as chamas de um prédio residencial atingido por um míssil. "Ele mente que há só uns poucos soldados mortos. Tenho certeza de que foram muitos mais. É um covarde." Gogichaishvili disse que viu quando o míssil caiu sobre o prédio. Os moradores se esconderam no porão do edifício. Foi ele quem lhes contou que seus apartamentos tinham sido destruídos. Ele disse que também viu o corpo de um homem de cerca de 20 anos caído em frente da farmácia, ainda com a embalagem de remédios que tinha acabado de comprar. Em Gori, praticamente todos os prédios foram danificados. Até mesmo o museu dedicado a Josef Stalin, o ex-ditador soviético que nasceu na cidade, teve todos vidros das janelas quebrados. Na frente da casa destruída de seu filho, um homem em estado de choque apenas dava de ombros diante das perguntas do repórter do Estado. Na Abkházia, um porta-voz do autoproclamado presidente da província, Sergei Bagapsh, afirmou que as forças separatistas haviam expulsado as tropas georgianas da Garganta de Kodori, ponto estratégico de acesso à região, à beira do Mar Negro. O local era o último reduto georgiano na região. A Rússia, que nos últimos anos distribuiu passaportes na Abkházia e na Ossétia do Sul e apóia as forças separatistas, garantiu que não se envolveu na operação. Mas um repórter da Associated Press afirmou ter visto 135 veículos militares russos atravessando o território da Geórgia em direção à Garganta de Kodori. Toda a população da área - cerca de 3 mil pessoas - abandonou suas casas. REVOLTA Misha Gogichaishvili Ex-agente da KGB "Os russos atacaram porque nosso presidente é um grande mentiroso. Ele prometeu coisas só para ser eleito" Emzari Maziashvili Farmacêutico em Gori "Que Exército? Não há Exército nenhum. Ninguém estava atacando os russos. Eles vieram e bombardearam"

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