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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Negociar e ceder

Aliança formada em Israel mostra que é possível fazer algo central na democracia

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Atualização:

A aliança formada para apear o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu do cargo é a mais diversa e controvertida da história de Israel. Ela reúne do nacionalismo judaico e do liberalismo econômico à esquerda secular, sindicalista e estatista. Pela primeira vez, um partido árabe islâmico apoia um futuro governo israelense. 

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Os acordos que possibilitaram a aliança significam que nenhum dos oito partidos poderá fazer tudo o que deseja. Ao contrário. Será um governo com limites bastante estreitos, definidos pelas concessões que cada um teve de fazer.

Horas antes de vencer o prazo para a oficialização da coalizão, Netanyahu ofereceu a Mansour Abbas, líder da Lista Árabe Unida, cancelar uma lei que prevê multas para árabes por construções irregulares. Abbas comunicou a Naftali Bennett, o futuro primeiro-ministro se a coalizão assumir efetivamente, que só daria seus quatro votos cruciais para a formação da maioria de 61 cadeiras na Knesset, o Parlamento, se recebesse a mesma concessão. Bennett concordou.

Mansour Abbas, Naftali Bennett e Yair Lapid assinam acordo que deve pôr fim ao governo de Binyamin Netanyahu Foto: AFP PHOTO / HO / RAAM

Já o partido de direita Nova Esperança exigiu que fosse impedida a construção de casas para os palestinos na chamada Área C, que se estende por 60% do território da Cisjordânia, onde vive a maior parte dos 440 mil colonos judeus, e controlado integralmente por Israel. 

Bennett não teve a menor dificuldade ideológica de atender a esse pedido. Filho de imigrantes americanos, ele entrou na política como líder dos colonos judeus da Cisjordânia. Bennett defende a anexação da Área C, que os judeus chamam pelos nomes bíblicos Judeia e Samaria.

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Com seis cadeiras igualmente imprescindíveis, o Nova Esperança foi atendido em outra condição: a criação de um novo cargo equivalente ao de advogado-geral, que defende o governo, para separar essa função da de procurador-geral, que lidera o Ministério Público. Num contexto em que o chefe de governo, Netanyahu, enfrenta processos por corrupção e abuso de poder, isso é vital.

O Nova Esperança impôs também a descriminalização do uso recreacional da maconha. Como se vê, o partido é em si mesmo um símbolo da multiplicidade de pautas da política israelense. A ele foram dados os ministérios da Justiça, Educação, Construção e Comunicações.

Bennett é a favor da redução de impostos e de gastos públicos, ao contrário do que defendem o Partido Trabalhista, que contribui com sete cadeiras na coalizão, e o Meretz, mais à esquerda ainda, com seis deputados. O partido de Bennett, Yamina (“à direita”, em hebraico), elegeu sete deputados em 23 de março, mas um deles não apoia a coalizão. 

Enfrentando acusações de “traição” à causa palestina, Abbas justificou a adesão da Lista Árabe Unida com o objetivo de melhorar as condições de vida dos árabes-israelenses. Ele obteve de Bennett o compromisso de destinar o equivalente a US$ 16 bilhões à infraestrutura e ao combate à criminalidade nas cidades árabes, o congelamento das demolições de casas construídas sem alvará e o reconhecimento oficial de vilarejos de beduínos no Deserto do Neguev.

Durante os 11 dias de conflito armado entre Israel e o Hamas, quando a violência entre judeus e árabes se espalhou nas cidades mistas, Abbas visitou uma sinagoga incendiada, para expressar sua rejeição ao ataque. Bennett, que resistia em fazer um acordo com um partido árabe, conta que esse gesto foi decisivo: “Vi nele uma pessoa decente e corajosa”.

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O que une a coalizão é o desejo de pôr fim a 12 anos de governo de Netanyahu, e de evitar uma quinta eleição desde abril de 2019. O presidente da Knesset, Yariv Levin, do partido Likud de Netanyahu, pode protelar a votação da moção de confiança até 14 de junho, enquanto o atual primeiro-ministro tenta dissuadir alguns participantes de apoiar a coalizão. 

Seu futuro, portanto, é incerto. Mesmo assim, a aliança mostrou que é possível fazer algo central na democracia, e que tem caído em desuso: negociar e ceder.

* É COLUNISTA DO ESTADÃO E ANALISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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