'Neoparamilitarismo' é desafio para próximo presidente da Colômbia

Parapolítica continua viva e desafia poder do Estado, afirmam analistas.

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Por Claudia Jardim
Atualização:

O surgimento de novos grupos paramilitares na Colômbia e seus vínculos com parlamentares e governantes locais será um dos principais desafios que o novo presidente da Colômbia terá de enfrentar, se quiser recuperar a legitimidade do Estado, segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil. "O paramilitarismo ainda é uma fonte de ameaça porque o Estado colombiano continua sendo débil para fazer frente a ele", afirmou o analista político Juan Gabriel Tokatlián, da Universidade San Andrés, de Buenos Aires. De acordo com uma investigação realizada pela ONG Nuevo Arco Iris, 22 parlamentares recém-eleitos nas eleições legislativas de março são representantes da parapolítica, como é denominada a articulação entre paramilitares e políticos colombianos. "Aqueles parlamentares que não puderam se eleger, porque estão sendo investigados pela Justiça, colocaram familiares e herdeiros políticos para ocupar seus lugares ", afirmou León Valencia, diretor da ONG. "Os parapolíticos são uma bancada decisiva no Congresso", acrescentou. Mockus x Santos Tokatlián avalia que para enfrentar o poder paramilitar no Congresso o novo presidente terá de contar com um grande consenso político e social. "Antanas Mockus disse que trará legalidade ao Estado e combaterá a corrupção. Se chega a materializar isso, aliado a apoio social e internacional, poderia colocar um freio ao paramilitarismo", afirmou. "(Juan Manuel) Santos não mostrou nada que faça entender que tenha uma vontade particular de acabar com o paramilitarismo", acrescentou. Durante a campanha, Santos disse que não aceitaria o apoio dos partidos vinculados ao paramilitarismo caso passe ao segundo turno das eleiçõs do próximo domingo. Parapolítica X Uribe O escândalo da "parapolítica" veio à tona quando os ex-chefes paramilitares passaram a revelar um suposto pacto realizado entre os políticos colombianos e os líderes do grupo paramilitar das Auto Defesas da Colômbia (AUC). A revelação dos ex-chefes dos cartéis da droga provocou uma crise no governo de Álvaro Uribe, já que a maioria dos acusados no escândalo pertence à base governista. "Nesses 8 anos, mais do que encontrar um freio definitivo, os paramilitares encontraram resquicios de como preservar e incrementar seu poder", afirmou Tokatlián. Para León Valencia, Uribe contava com poder e popularidade suficientes para enfrentar esses grupos. Uma relação de "dependência mútua" teria impedido esse enfrentamento, na avaliação de Valencia. "Uribe estava atado a esta aliança, porque esses políticos compunham a base aliada. Por outro lado, eles precisam utilizar a popularidade do presidente para se proteger", afirmou. Alfredo Rangel, diretor da Fundação Segurança e Democracia, discorda. "Não podemos dizer que durante o governo em que foram levados à prisão os principais dirigentes dos paramilitares há uma aliança com paramilitares. Ao contrário, foi o governo que acabou com o paramilitarismo". Em 2003, entrou em vigor a Lei de Justiça e Paz, que promoveu a desmobilização de 32 mil paramilitares. Os desmobilizados receberiam penas reduzidas em troca da confissão de seus crimes e do pagamento de indenizações às suas vítimas ou aos familiares delas. Neoparamilitarismo Especialistas no conflito armado, no entanto, consideram que o paramilitarismo não desapareceu por completo e deu origem ao "neoparamilitarismo" , grupos que reúnem antigos membros da AUC e novos paramilitares. Segundo o Observatório do Conflito da Nuevo Arco Iris, os "neoparamilitares" reunem aproximadamente 11 mil integrantes. Logo após a extradição de 14 ex-chefes paramilitares aos Estados Unidos, vieram à tona acusações envolvendo o presidente colombiano e seus familiares. Um dos mais poderosos chefes do narcotráfico na Colômbia, Diego Murillo, conhecido como "Don Berna", afirmou ter financiado a campanha eleitoral de Álvaro Uribe, alegando que era a única maneira de livrar o país da "ameaça comunista". Em fevereiro, o ex-senador colombiano Mário Uribe Escobar, primo e aliado político do presidente da Colômbia, foi preso por suposto envolvimento com a parapolítica. A menos de uma semana das eleições, o irmão do presidente Álvaro Uribe foi acusado por um major da polícia aposentado de ter criado um grupo paramilitar. O major Juan Carlos Meneses disse que Uribe, na ocasião senador e candidato ao governo de Antioquia, conhecia as atividades do irmão. O presidente colombiano negou as acusações e disse que o caso já foi solucionado pela Justiça. Desde que o escândalo da parapolítica veio à tona, mais de 80 parlamentares foram condenados pela Justiça colombiana por envolvimento com paramilitares. Criados em 1980 com o financiamento de latifundiários e líderes de direita, sob o argumento de combater as guerrilhas de esquerda, os grupos paramilitares (AUC) são responsabilizados por milhares de assassinatos e de outros crimes relacionados com o narcotráfico. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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