Mesmo se vier a liderar uma coalizão de centro-direita, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, não mudará a fórmula que vem marcando sua diplomacia: falar o tempo todo sobre a ameaça do programa nuclear iraniano para nunca ter de se explicar sobre o crescimento dos assentamentos em território palestino e a falência da solução de dois Estados. A previsão é de Meir Javedanfar, analista iraniano-israelense e colunista do portal Al-Monitor, de análise do Oriente Médio. A seguir, a conversa com o Estado.O fato de Netanyahu ter perdido poder com a eleição reduz o risco de uma guerra com o Irã?Por enquanto, nada mudou e isso tem mais a ver com o Irã do que com Israel. Enquanto a república islâmica não aceitar trabalhar seriamente com a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica, da ONU), a posição israelense não será alterada. Mas é importante notar que Netanyahu sempre usou a questão iraniana, dentro e fora de Israel, para tirar a atenção do problema palestino e do crescimento dos assentamentos. E isso não deve mudar.Mesmo se ele se aliar a figuras de centro, como Yair Lapid e a ex-chanceler Tzipi Livni?Lapid foi a grande estrela das eleições, mas seu partido, o Yesh Atid (Há Futuro), fez uma campanha centrada em questões internas - principalmente os privilégios dos haredim (judeus ortodoxos) e o tamanho do governo, hoje com impressionantes 35 ministérios. Embora secundário, o tema do processo de paz também está presente em seu projeto político. Não é verdade que ele o ignora completamente. Lapid prometeu por exemplo que, se integrar o governo, pressionará pela retomada das negociações. Mais ainda, lutará contra o financiamento público de assentamentos ilegais (diferentemente da lei israelense, a comunidade internacional considera todas as construções judaicas em território palestino ilegais). Será que ele conseguirá fazer isso em uma coalizão de centro-direita? Tenho minhas dúvidas.Sobre Irã, qual é a posição dele?Lapid entende que Israel não deve tentar liderar uma campanha internacional contra o programa iraniano, pois isso somente pode ser feito por EUA e Europa. Mas ele, como todo o establishment político israelense, compartilha a ideia de Netanyahu de que 'a opção militar deve estar sobre a mesa'. Isso não é sua prioridade, portanto dificilmente veremos ele comprar briga com o premiê em razão de Teerã. Seu foco será a laicidade e a economia.O sr. falou que o problema iraniano é usado por Netanyahu para desviar a atenção dos assentamentos. Como funciona isso?Foi essa a estratégia que ele usou em todo seu segundo governo. O Irã é um problema real e ele se aproveitou disso para colocar de lado a questão palestina e a solução de dois Estados. Com o Bayit Yehudi (partido de extrema direita, do empresário Naftali Bennett) na coalizão, certamente os assentamentos continuarão a crescer. E o principal: se Netanyahu não fizer isso, seu partido, o Likud, acabará perdendo ainda mais eleitores de direita para Bennett, que não tem pudores em defender os colonos e dizer que um Estado palestino "nunca vai existir".Como o sr. avalia hoje a influência do Irã sobre as facções palestinas, principalmente depois de o Hamas ter se aproximado do Egito e das monarquias do Golfo?Sem dúvida essa capacidade de influência diminuiu muitíssimo em relação às últimas duas décadas. Hoje, apenas a Jihad Islâmica recebe ordens de Teerã. O restante dos grupos militantes, incluindo o Hamas, não.Como ficam os riscos de Israel tentar um ataque unilateral ao Irã, sem apoio dos EUA ou dos europeus?Netanyahu pode até ameaçar lançar um ataque unilateral, mas duvido que ele o faça. Uma recente pesquisa mostrou que apenas 26% no país acreditam que Israel deveria agir sozinho militarmente contra o programa nuclear iraniano. Mais do que um suicídio político, isso seria também um suicídio estratégico, pois Israel ficaria ainda mais isolado no mundo.