Crise na Nicarágua pode desencadear novo fluxo de refugiados na América Latina, diz entidade da ONU
Alto comissário de Direitos Humanos das Nações Unidas alerta para padrões similares entre a repressão de Daniel Ortega e do chavista Nicolás Maduro
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Por Jamil Chade , correspondente e Genebra
Atualização:
GENEBRA - A situação na Nicaráguapode desencadear a próxima crise de refugiadosna América Latina, colocando ainda mais pressão sobre os países da região que já estão sendo inundados por venezuelanos. O alerta é do alto comissário Direitos Humanos da ONU, Zeid Al-Hussein.
Em uma entrevista coletiva realizada nesta quarta-feira, 29, em Genebra, ele deixou claro que chegou o momento de a comunidade internacional colocar pressão sobre o governo da Nicarágua. “Deve haver uma mudança na atitude de aplicar um pulso de ferro (por parte do governo de Daniel Ortega)”, disse Hussein. “Com uma economia frágil, ela pode ter uma situação similar a de Venezuela.”
A crise na Nicarágua em imagens: 100 dias de protestos
1 / 21A crise na Nicarágua em imagens: 100 dias de protestos
Nicarágua 1
Os protestos na Nicarágua começaram no dia 18 de abril, quando a população foi às ruas contra a reforma da previdência social no país. Logo nas primei... Foto: EFE/Jorge TorresMais
Nicarágua 2
A maior reclamação era de que as medidas não evitariam a falência do INSS e aumentariam o desemprego e a informalidade, diminuindo o consumo e a compe... Foto: AFP PHOTO / INTI OCONMais
Nicarágua 3
Já nas primeiras ocasiões, a imprensa foi censurada. O canal 100% Noticias, que transmitia os protestos ao vivo, foi retirado do ar. Em um protesto no... Foto: Jorge Torres/EPA/EFEMais
Nicarágua 4
O governo do presidente Daniel Ortega culpou "pequenos grupos de oposição" de serem os responsáveis pela revolta. No dia 22 de abril, ele revogou a re... Foto: EFE/Jorge TorresMais
Nicarágua 5
Em 23 de abril, o número de mortos subiu para 31, quando policiais invadiram a Universidade Politécnica da Nicarágua e mataram quatro estudantes. Nest... Foto: EFE/Paolo AguilarMais
Nicarágua 6
O número de mortos estava em 34 no dia 25 de abril, quandocentenas de nicaraguenses marcharam com velas acesas pelas ruas da capital, Manágua, pedindo... Foto: EFE/Jorge TorresMais
Nicarágua 7
Além das 34 mortes, 66 pessoas feridas estavam internadas e, destas, 12 apresentavam estado crítico de saúde. Dos mortos, a maioria recebeu tiros na c... Foto: REUTERS/Jose CabezasMais
Nicarágua 8
Em 6 de maio, o número de mortos estava em 45 e o Parlamento - dominado por partidários de Ortega - criou uma comissão para investigar as mortes. Grup... Foto: REUTERS/Oswaldo RivasMais
Nicarágua 9
Após 24 dias desde o início dos protestos, 50 pessoas haviam morrido, segundo as ONGs. Em 11 de maio, 21 estudantes foram intoxicados enquanto partici... Foto: Oswaldo Rivas/ReutersMais
Nicarágua 10
Em 17 de maio, cerca de 60 mortes haviam sido registradas e o número de feridos estava em 500. Neste momento, a Comissão Interamericana de Direitos Hu... Foto: AFP PHOTO / DIANA ULLOAMais
Nicarágua 11
No início de junho, 114 pessoas haviam morrido, incluindo um estrangeiro. A cidade de Masaya, que fora reduto dos rebeldes na década de 80, havia se t... Foto: REUTERS/Oswaldo RivasMais
Nicarágua 12
Em 16 de junho, cerca de 200 mortes eram contabilizadas. Governo e oposição fizeram um acordo para que organizações internacionais verificassem as fat... Foto: REUTERS/Jorge CabreraMais
Nicarágua 13
Em 7 de julho, Ortega declarou que não anteciparia as eleições, o que elevou as tensões pelo país e motivou mais protestos.Barricadas foram levantas p... Foto: EFE/Bienvenido VelascoMais
Nicarágua 14
Quatro dias depois, em 11 de julho, a CIDH calculava em 264 o número de mortes e em 1,8 mil o número de feridos.A Igreja havia retomado a mediação dos... Foto: Mais
Nicarágua 15
Em 16 de julho, as mortes se aproximavam de 300 e a situação piorou quando grupos armados pró-governo e policiais começaram a cercar universidades ocu... Foto: Mais
Nicarágua 16
Em 17 de julho, o Parlamento aprovou uma lei sobre terrorismo que, segundo a ONU, poderia ser utilizada para criminalizar protestos pacíficos. No mesm... Foto: AP Photo/Alfredo ZunigaMais
Nicarágua 17
Na ocasião moradores ergueram barricadas de até dois metros de altura para se proteger. Trinta e sete caminhonetes cheias de agentes da polícia antimo... Foto: REUTERS/Oswaldo RivasMais
Nicarágua 18
Em 20 de julho, no aniversário da Revolução Sandinista,Ortega pediu aos manifestantes para acabar com que considera uma tentativa de "desestabilizar o... Foto: REUTERS/Oswaldo Rivas TPX IMAGES OF THE DAYMais
Nicarágua 19
Ainda em 21 de julho, dezenas de mães que procuravam seus filhos presos ou desaparecidosforam expulsas por agentes do governo e ameaçadas com armas de... Foto: Marvin Recinos / AFPMais
Nicarágua 20
Em 23 de julho, a estudante universitária brasileiraRaynéia Gabrielle Lima foi morta a tirosquando voltava para casa depois de um plantão hospitalar n... Foto: Reprodução / FacebookMais
Nicarágua 21
A comunidade internacional voltou a pressionar Ortega e pedir eleições antecipadas.O Brasil condenou a morte da estudante, pediu que o caso seja inves... Foto: REUTERS/Jorge CabreraMais
Em um relatório publicado, Hussein critica abertamente a repressão no país e denuncia sérias violações, incluindo execuções sumárias, desaparecimentos, torturas e detenções arbitrárias. “A violência e a impunidade dos últimos quatro meses expõem a fragilidade das instituições do país e do estado de direito”, afirmou.
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A crise começou no dia 18 de abril, quando manifestantes tomaram as ruas do país contra reformas sociais. Os atos acabaram ganhando força, mas foram reprimidos por grupos paramilitares que operam sob ordens de Ortega. Estima-se que o número de mortos tenha chegado a 300, além de mais de 2 mil feridos.
Para a entidade da ONU, os ataques aconteceram com o conhecimento das autoridades de alto escalão do Estado. De acordo com o relatório, o governo os permite agir “em impunidade”. Até o dia 18 de agosto, pelo menos 300 pessoas estavam sendo indiciadas por participar dos protestos.
A ONU quer que Ortega pare com a intimidação e a criminalização de opositores, e solte os manifestantes detidos. “Eles estão sendo qualificados como terroristas. Isso não pode ser”, disse Hussein. Ele ainda pede que os governos da ONU avaliem a criação de uma investigação internacional para determinar “a verdade e justiça” no caso da Nicarágua.
Semelhanças com Venezuela
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Para o jordaniano que lidera o escritório de Direitos Humanos da ONU, há uma “abordagem similar” à forma com a qual Ortega e o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, têm lidado com a oposição. “Ficamos chocados, mesmo pelos padrões que conhecemos”, disse ele. “Se não pararmos isso, outros países vão enfrentar severa pressão do fluxo de refugiados saindo. Haverá um efeito dominó”, alertou.
Relembre: brasileira é morta na Nicarágua
Hoje, a ONU qualifica o fluxo de venezuelanos como “um dos maiores fluxos em massa” da história da América Latina, com 2,3 milhões de pessoas. Em 2018, o número de venezuelanos que solicitaram asilo já superou o de sírios que pedem proteção na Europa.
Para ele, o Grupo de Lima (que inclui os governos da região e o Brasil) precisa se mobilizar para lidar com a situação na Nicarágua e não repetir os erros que o continente cometeu com a Venezuela.
Hussein criticou os governos da região por terem levado muito tempo para lidar com a crise na Venezuela. “Estamos falando de uma situação que começou em 2011 e 2012”, disse. “Éramos um dos poucos que falavam sobre o que ocorria e agora vemos uma crise completa”, alertou ele.
“O Grupo de Lima apenas começou a tratar do assunto da Venezuela há um ano e meio. Ainda que seja bem-vindo, quando pedimos uma investigação, nenhum governo apresentou uma resolução nesse sentido”, lamentou Hussein, acrescentando que apenas os governos dos EUA e Espanha lideravam as críticas. “Era algo muito limitado. Se tivesse havido um esforço maior da região, talvez essa realidade houvesse sido freada."
A partir de setembro, Zeid cederá seu cargo à chilena Michelle Bachelet. Nesta quarta-feira, ele fez um apelo para que ela continue a pressionar no caso da Venezuela e da Nicarágua. “É fundamental que esses governos saibam que este assunto não vai desaparecer.”