No caos da Superliga, primeiro ministro britânico aproveitou oportunidade para marcar um gol

Boris Johnson se colocou como paladino da ética, opondo-se à dissidente Superliga de futebol extremamente impopular junto aos torcedores

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Por Stephen Castle
Atualização:

Os fãs a detestaram, os políticos se opuseram a ela e até o príncipe William alertou para os danos que essa Superliga Europeia causará “para o jogo que amamos”. A reação contrária foi tão rápida e feroz ao projeto para criar a nova Superliga que na quarta-feira, 21, seis dos mais famosos clubes da Inglaterra mergulharam na maior confusão, emitindo desculpas e rejeitando o projeto de cisão fracassado ao qual haviam prometido se juntar.

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Mas nem todos foram perdedores. No caso do primeiro-ministro Boris Johnson, a crise foi uma rara oportunidade para ele se apresentar como paladino da ética num assunto de grande importância para muitos dos eleitores que o ajudaram a conquistar uma vitória esmagadora na eleição de 2019.

Ameaçando usar todos os meios possíveis para bloquear o plano, Johnson se colocou como o defensor dos torcedores da classe operária cujos antepassados criaram os clubes de futebol ingleses, e o inimigo dos bilionários proprietários de clubes que hoje dominam o esporte.

No caos da Superliga, primeiro ministro britânico aproveitou oportunidade para marcar um gol. Foto: Ian Forsyth/AP

“Boris Johnson é um populista por instinto”, afirmou Anand Menon, professor de assuntos estrangeiros e política europeia no King’s College London, acrescentando que o premiê viu uma oportunidade política num desastre esportivo. A reação contrária ao plano foi tão completa que a oposição de Johnson era “evidente”, disse ele - o equivalente político a fazer um gol em área aberta.

“Sua única aposta nessa tentativa de bloquear o projeto era de que poderia perder, mas era difícil saber como isso poderia acontecer”, disse Menon. Quando as autoridades do futebol inglesas e internacionais ameaçaram tomar medidas de represália contra clubes e jogadores da nova Superliga, sua posição era insustentável, disse Menon.

Outros acham que haveria riscos, e que ao permitir que o seu governo colocasse tudo em jogo para impedir a formação da nova liga - sugerindo mesmo a possibilidade de se intrometer com os proprietários dos clubes - Johnson pode ter criado expectativas difíceis de serem cumpridas.

Significativamente, o governo não descartou sugestões de que pode aprovar lei regulamentando a propriedade dos clubes ou mesmo copiar as regras criadas na Alemanha que dão o controle real aos torcedores, impedindo que investidores comerciais assumam mais de 49% da propriedade dos clubes.

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Mas no curto prazo, a crise ajudou Johnson a desviar a atenção das manchetes negativas envolvendo um escândalo de lobby centrado em um dos seus predecessores, David Cameron, e os seus contatos com um atual ministro de gabinete.

Na quarta-feira o problema chegou mais perto Johnson com a divulgação de mensagens de texto enviadas por ele a James Dyson, criador e defensor do Brexit, no início da pandemia, prometendo que os funcionários da empresa Dyson não teriam de pagar nenhum imposto extra se viessem para a Grã-Bretanha para produzir ventiladores. A empresa de Dyson anunciou em 2019 que mudaria sua sede para Singapura, citando a crescente demanda na Ásia.

Nos últimos, a campanha bem-sucedida de vacinação contra a Covid-19 melhorou a posição de Boris Johnson depois de uma sucessão de decisões equivocadas no ano passado no combate da pandemia pelo governo.

Em abril de 2020 o secretário da Saúde, Matt Hancock, atacou os jogadores que recebem altos salários, pedindo para eles “concordarem com um corte de salário e fazerem a sua parte”. Mas em questão de meses o governo foi deixado para trás por Marcus Rashford, jogador estrela do Manchester United e da equipe nacional da Inglaterra. Invocando sua própria infância pobre, Marcus Rashford galvanizou uma campanha contra a pobreza infantil e acabou forçando Johnson a mudar a política sobre a merenda escolar.

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Esta semana a situação mudou quando Johnson condenou os planos da Superliga antes de Rashford, cujo clube também havia ratificado as propostas. Jamais um grande fã do futebol, Johnson baseou sua oposição ao plano na sua crença na competição.

Na Inglaterra, a cada ano os três clubes com pior desempenho são banidos da Premier League, ao passo que os melhores se qualificam para jogar nas competições europeias da temporada seguinte. A proposta de uma Superliga de futebol contaria com vários grandes clubes se tornando membros permanentes - o que Johnson comparou à criação de um cartel.

Na verdade, a primeira Liga de Futebol da Inglaterra foi criada em 1888 com base num modelo similar e os membros não eram selecionados com base no mérito, disse Matthew Taylor, professor de História na De Montfort University, em Leicester.

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Mas o furor no caso da Superliga de futebol ilustra o crescente papel que o futebol tem desempenhado na vida nacional nas últimas décadas. “Nos últimos 15 a 20 anos o futebol tem sido tão difundido e se tornou tão importante para a cultura britânica que os políticos têm de se expressar a respeito”, disse Taylor.

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Já não é mais inusitado o fato de políticos e membros do governo “divulgarem declarações sobre temas que há 40 ou 50 anos eram considerados assuntos privados”, acrescentou. Mas as sugestões de que o governo deve criar leis para controlar a propriedade dos clubes vão contra as convicções de Johnson, um defensor do livre mercado.

Embora um projeto da Arábia Saudita de comprar o clube Newcastle United tenha no final fracassado, Johnson prometeu ao príncipe da Coroa, Mohammed bin Salman, que iria interferir no caso, de acordo com notícias veiculadas na mídia britânica. “Uma das muitas desonestidades em tudo isto é que permite que o dinheiro corrompa o futebol”, disse Menon, referindo-se ao plano da Superliga. “O dinheiro já corrompeu o futebol. Os clubes ricos estão cada vez mais ricos”./TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO