No México, centro-americanos vagam sem destino durante a pandemia

Número de imigrantes que passam por abrigos em cidades mexicanas tem diminuído a cada mês desde março

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Por Fernanda Simas
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“Há pessoas que passam por aqui, entram, vão embora e depois de vários dias regressam. Isso quer dizer que não podem seguir viagem. Não podem voltar ao seu país, as fronteiras estão fechadas. Não podem chegar aos EUA porque, além das fronteiras fechadas, há a vigilância americana e o crime organizado que controla a região. Além disso, os abrigos não podem receber mais migrantes para evitar contágio”.

Com pandemia, número de pessoas que passam por albergue diminui a cada mês Foto: Albergue Decanal Guadalupano / Reprodução

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A nova rotina do Albergue Decanal Guadalupano, na cidade mexicana Tierra Blanca, descrita pela irmã María Dolores Palencia, reflete o impacto da pandemia num país que muitas vezes era passagem de centro-americanos para os Estados Unidos. Agora, com fronteiras fechadas e escritórios que tratam de trâmite migratório sem funcionar, essas pessoas ficam vagando por cidades mexicanas. O local é um albergue de passagem, onde os migrantes geralmente comem, passam uma noite e recebem informações de como proceder para pedir asilo ou refúgio. Em março, passaram pelo albergue cerca de 1000 pessoas, em abril, 250 e em maio, 218.

Nos Estados Unidos, o governo do presidente Donald Trump apresentou medidas para restringir a imigração ao país, como permitir que juízes neguem as solicitações de asilo sem dar aos imigrantes a oportunidade de depor a um tribunal e impedir que universidades concedam fundos de ajuda contra o coronavírus a estudantes estrangeiros e sem documentação. 

“Quando se restringe essa migração forçada, caso de centro-americanos que vão para os EUA, por exemplo, não se está dando uma solução ao problema, pelo contrário, você agrava a situação”, afirma o diretor da Divisão de População da Cepal, Jorge Martínez Pizarro, lembrando que antes da pandemia já havia uma política de deportações em massa nos EUA. “Existem denúncias de que algumas pessoas estariam contaminadas com o coronavírus e foram deportadas (de volta ao México) sem passar por nenhum protocolo sanitário em pontos fronteiriços.”

Imigrantes passam pelo Albergue Decanal Guadalupano para receber alimentos e pernoitar Foto: Albergue Decanal Guadalupano / Reprodução

Um informe da ONU de junho alerta para medidas no tratamento a imigrantes que podem perdurar após a pandemia. “Há preocupações de que no médio e no longo prazos, essas restrições possam ir além da crise...É possível que alguns países, conforme as fronteiras sejam reabertas, imponham mais requisitos de saúde para permitir viagens, aumentando a necessidade de avaliações de saúde, testes, programas de imunização e certificações”, diz o informe.

“A economia do nosso país já está sofrendo com essa pandemia e agora existe o risco de os imigrantes serem vistos como uma ameaça, responsáveis por atos de violência, e concorrentes para vagas de emprego. E essas pessoas, sem terem para onde ir, começam a se assentar aqui, é preciso pensar em novas formas de acolhida e os albergues sofrem sem dinheiro e com menos gente trabalhando”, lamenta a irmã María Dolores.

Mercado de trabalho

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Após perderem o emprego no país para onde mudaram em razão da pandemia, milhares de migrantes enfrentam agora o desemprego em seus países de origem. Segundo levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), há cerca de 164 milhões de trabalhadores migrantes em todo o mundo, ou seja, 4,7% da força de trabalho mundial, e boa parte pode ser impactada.

Alguns governos adotaram medidas para integrar os imigrantes no mercado de trabalho de forma mais rápida e evitar um retorno aos seus países de origem em razão na questão econômica. Peru, Chile e Argentina permitiram refugiados com formação na área médica passassem por treinamentos para poderem atuar contra a covid-19. 

Organizações humanitárias em Burkina Fasso, Guiné, Chade e Libéria pagavam professores para garantir a entrada de renda durante o fechamento das escolas. O governo da África do Sul determinou que 30% do apoio financeiro a pequenos comerciantes seria destinado a estabelecimentos de estrangeiros, incluindo os de propriedade de refugiados.

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