'Nos acostumamos a chupar limões', diz manifestante chilena 

Segundo funcionária pública de 56 anos, no país que foi governado por Pinochet, os protestos são algo comum

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Por Rodrigo Cavalheiro e Santiago 
2 min de leitura

Amargurada pela perspectiva de receber dentro de quatro anos uma aposentadoria de 150 mil pesos (R$ 823), a funcionária pública Eugenia López, de 56 anos, chamava atenção pela normalidade com que chupava um limão ao lado de amigos ontem no centro de Santiago. De uma dentada, arrancou uma ponta da fruta, cerca de um quarto dela, cuspiu no chão o pedaço, e explicou ao Estado por que estava ali. 

Eugenia ganha o equivalente a 500 mil pesos (R$ 2.745) por mês. Contribui com 80 mil (R$ 439) por mês para fazer sua poupança-aposentadoria. Como deve receber 150 mil (R$ 823) ao deixar de trabalhar, entrará na faixa de mulheres que receberá menos da metade de seu salário final. Manter um apartamento, por exemplo, custa cerca de 200 mil (R$ 1.098). 

Com limão na mão, Eugenia López protesta contra os baixos valores das pensões pagas pelo governo Foto: Rodrigo Cavalheiro/Estadão

“Venho sempre que posso às marchas. A idade não me permite vir a todas. O aumento no preço do metrô foi a chispa para toda essa revolta. Agora, o governo vai ter de ceder”, disse Eugenia, sentada à sombra no canteiro central da Avenida Libertador O’Higgins, a duas quadras do Palácio La Moneda. Ela esperava a hora de começar a marcha por uma mudança no sistema, hoje com base na contribuição individual obrigatória.

A lei atual não permite que o contribuinte saque todo o valor ao se aposentar. Eugenia, por exemplo, acumulou 30 milhões de pesos (R$ 164 mil), em 25 anos. Decisões judiciais recentes passaram discutir essa reivindicação de saque, o que também tem pressionado o governo.

Antigos hábitos

Eugenia mora sozinha, cuida de três gatas – Vênus, Sol e Frida –, não tem filhos e cuida da mãe, de 80 anos, cuja pensão é de 100 mil pesos (R$ 549). Após o início dos protestos, o governo de Sebastián Piñera acenou com um aumento que elevaria a pensão da mãe dela a 129 mil pesos (R$ 708) por mês. 

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Eugenia ri ironicamente da oferta. Munida de uma panela azul cujo fundo foi furado “em parte pelo uso em manifestações, em parte por usá-la muito para aquecer o leite”, a chilena exibia ainda em seu “kit de sobrevivência” uma garrafa plástica com água e bicarbonato (que ela aplicava em pó diretamente no rosto). 

Em outra mão, mantinha o limão, degustado de vez em quando. “Estamos no país que foi governado por Augusto Pinochet. Então, protestos são algo comum. Estamos acostumados a chupar limões”, resume. 

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