PUBLICIDADE

Nova descoberta pode mudar história da civilização maia

Por Agencia Estado
Atualização:

Ferozes e persistentes combates entre as cidades maias podem ter marcado o começo do fim dessa grande civilização, segundo um grupo de cientistas que traduziram os hieróglifos encontrados em uma escadaria de uma antiga pirâmide na Guatemala. A escada, revelada pela passagem de um furacão no último outono pela cidade maia de Dos Pilas, conta a história de uma guerra brutal e sangrenta entre duas poderosas cidades que tentavam dominar seu mundo conhecido. A descoberta obrigará os especialistas a rever a história centro-americana, já que o que antes se considerava ter sido uma série de conflitos locais isolados nos séculos 7 e 8 de nossa era parece ter sido o equivalente a uma "guerra mundial" para os maias, com frentes de guerra formadas por Estados-vassalos controlados por duas "superpotências", disse na quarta-feira Arthur Demarest, do Instituto de Arqueologia Centro-Americana da Universidade Vanderbilt. Esse período, de aproximadamente 60 anos, preparou o cenário para o colapso definitivo da civilização maia. Marcada nas pedras, a escrita recém-descoberta e interpretada - com o aval e o patrocínio da National Geographic Society, da Universidade de Vanderbilt e do Ministério de Cultura da Guatemala - confirma que os líderes das cidades maias de Tikal e Dos Pilas eram irmãos. Mas, embora durante muito tempo os historiadores tenham acreditado que a rivalidade entre eles estava na raiz do conflito entre as duas cidades, as inscrições agora descobertas indicam que foi um terceiro participante - a cidade de Calakmul, localizada em território do México - que desencadeou o combate contra Tikal nas suas tentativas de conquistar o império maia. "Isso faz nossa história da dinastia (em Dos Pilas) recuar mais 40 ou 50 anos e muda toda a nossa interpretação dessa região", disse Demarest, "Não foi parte de uma luta dinástica entre dois irmãos, mas parte de uma guerra mundial". Dos Pilas está localizada bem nas profundezas da selva guatemalteca, próxima do rio Pasión, que foi a auto-estrada do mundo maia. Muitos fatos sobre a cidade têm intrigado os arqueólogos, apresentando enigmas que não tinham soluções claras. A cidade parecia ter brotado quase da noite para o dia, atingindo uma população de 5 mil habitantes. Mas o solo da região é muito pobre e não havia indícios de atividade agrícola que a sustentasse. Não se sabia como e por quê tinha sido estabelecida. Na verdade, Dos Pilas se estabeleceu como um posto militar avançado da grande cidade maia de Tikal no ano de 629, e o rei de Tikal instalou seu irmão mais novo no trono da nova cidade. Segundo a nova descoberta - publicada na edição de outubro da revista National Geographic -, o rei de Dos Pilas chegou a ser um grande guerreiro e durante muito anos foi fiel aliado de seu irmão mais velho em Tikal, no norte da Guatemala. Então a cidade-Estado de Calakmul, mais ao norte, conquistou Dos Pilas, tomou o rei como prisioneiro e em seguida o recolocou no trono, mas como um governo títere. Só então o rei reposto, fiel agora a Calakmul, lançou uma guerra de uma década contra Tikal e aprisionou o rei desta cidade - seu próprio irmão - e outros nobres de Tikal para levá-los a Dos Pilas e sacrificá-los. Com o apoio de Calakmul, Dos Pilas lançou em seguida uma campanha militar de conquista e se tornou um centro regional de poder. "Em vez de ser um ator independente, como se pensava antes, parece agora que Dos Pilas era um peão em uma batalha muito mais ampla", afirmou Demarest. A longa e intensa guerra teve suas vicissitudes. "Depois que Tikal foi saqueada, a situação se inverteu e se voltou contra Calakmul. E em seguida o mundo maia se desintegrou em poderes regionais, assentando as bases para um período de conflitos intensos que culminaram com a derrocada dos maias", sentenciou o historiador. Vários grandes furacões, entre eles o Íris, atingiram a região onde está Dos Pilas no outono passado, e ninguém sabe como as escadas apareceram. Demarest recebeu um telefonema de uma de suas fontes contando-lhe sobre as escadarias recém-expostas e ele, temendo saques e outros estragos, imediatamente organizou uma expedição para documentar a descoberta - tomando dinheiro emprestado do seu cartão de crédito para acelerar o processo. Federico Fahsen, da Vanderbilt, um famoso epigrafista dos maias, fez a maior parte do trabalho de escavação e tradução. As escadas "estão muito bem conservadas", disse Demarest. "Algumas partes parecem ter sido entalhadas ontem". A equipe a fotografou, fez réplicas, construiu telhados e outras estruturas para protegê-la. Ao traduzir os hieróglifos, Fahsen ficou atônito com o seu conteúdo. "Quando li aquelas inscrições, tive que piscar para me certificar de que estava lendo corretamente", disse ele. "Nunca tinha ouvido falar de Calakmul invadindo e derrotando o rei de Dos Pilas. Pensávamos que, no máximo, eles podiam ter feito um tipo de aliança fraca".

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.